25.1.09

CAPÍTULO 24

Não É Este o Filho do Carpinteiro?

Por sobre os luminosos dias do ministério de Cristo na Galiléia, paira uma sombra. O povo de Nazaré O rejeitou. "Não é Este o filho de José?" (Luc. 4:22) diziam.
Durante a infância e a juventude, Jesus adorara entre Seus irmãos, na sinagoga de Nazaré. Desde o início de Seu ministério, estivera ausente deles, mas não ignoravam o que Lhe acontecia. Ao aparecer novamente em seu meio, o interesse e expectação deles subiu ao mais alto grau. Ali estavam as figuras e fisionomias familiares, que conhecera na infância. Ali estava Sua mãe, Seus irmãos, e todos os olhos se voltaram para Ele quando entrou na sinagoga, no sábado, tomando lugar entre os adoradores.
No culto regular diário, o ancião lia dos profetas, e exortava o povo a esperar ainda por Aquele que havia de vir, o qual introduziria um glorioso reino e baniria toda a opressão. Ele buscava animar os ouvintes pela repetição dos testemunhos de que o advento do Messias estava próximo. Descrevia a glória de Sua vinda, salientando sempre o pensamento de que apareceria à testa de exércitos para libertar Israel.
Quando um rabi se achava presente na sinagoga, esperava-se que dirigisse o sermão, e qualquer israelita podia fazer a leitura dos profetas. Nesse sábado, Jesus foi convidado a tomar parte no serviço. "Levantou-Se para ler, e foi-lhe dado o livro do profeta Isaías." Luc. 4:16 e 17. O texto lido por Ele era interpretado como se referindo ao Messias:
"O Espírito do Senhor é sobre Mim, pois que Me ungiu para evangelizar os pobres, enviou-Me a curar os quebrantados de coração, a apregoar liberdade aos cativos, a dar vista aos cegos; a pôr em liberdade os oprimidos; a anunciar o ano aceitável do Senhor."
"E, cerrando o livro, e tornando-o a dar ao ministro, assentou-Se; e os olhos de todos na sinagoga estavam fitos nEle. ... E todos Lhe davam testemunho, e se maravilhavam das palavras de graça que saíam da Sua boca." Luc. 4:18-20 e 22.
Jesus Se postou diante do povo como vivo expositor das profecias concernentes a Si próprio. Explicando as palavras que lera, falou do Messias, como de um libertador dos oprimidos e dos cativos, médico dos aflitos, restaurador de vista aos cegos e revelador da luz da verdade ao mundo. Sua maneira impressiva e a maravilhosa significação de Suas palavras arrebataram os ouvintes com um poder nunca dantes por eles experimentado. A corrente de influência divina derribou todas as barreiras; viram, qual Moisés, o Invisível. Sendo seu coração movido pelo Espírito Santo, respondiam com fervorosos améns e louvores ao Senhor.
Mas quando Jesus anunciou: "Hoje se cumpriu esta Escritura em vossos ouvidos" (Luc. 4:21), foram de repente levados a pensar em si mesmos, e nas declarações dAquele que lhes dirigia a Palavra. Eles, israelitas, filhos de Abraão, haviam sido representados como em servidão. Tinha-Se-lhes dirigido como presos a serem libertados do poder do mal; como em trevas e necessitados da luz da verdade. Seu orgulho ficou ofendido, despertaram-se-lhes os temores. As palavras de Jesus indicavam que Sua obra por eles havia de ser de todo diversa do que desejavam. Seus atos deviam ser intimamente examinados. Não obstante sua exatidão nas cerimônias exteriores, recuaram da inspeção daqueles puros, penetrantes olhos.
Quem é esse Jesus? indagaram. Aquele que reclamara para Si a glória do Messias, era o filho de um carpinteiro e trabalhara no ofício com José, Seu pai. Tinham-nO visto labutando acima e abaixo das colinas, conheciam-Lhe os irmãos e as irmãs, bem como Sua vida e labores. Haviam-Lhe acompanhado o desenvolvimento da infância à mocidade, e desta à varonilidade. Conquanto Sua vida houvesse sido sem mancha, não queriam crer que fosse o Prometido.
Que contraste entre Seu ensino a respeito do novo reino e o que tinham ouvido dos anciãos! Jesus nada dissera quanto a libertá-los dos romanos. Tinham ouvido falar de Seus milagres, e esperaram que Seu poder fosse exercido para proveito deles; não tinham visto, porém, nenhum indício nesse sentido.
Ao abrirem a porta à dúvida, o coração endureceu-se-lhes tanto mais quanto se havia por momentos abrandado. Satanás decidira que os olhos cegos não se abririam naquele dia, nem almas cativas seriam postas em liberdade. Com intensa energia, operou para os confirmar na incredulidade. Não fizeram caso do sinal já dado, quando haviam sido comovidos pela convicção de que era seu Redentor que Se lhes estava dirigindo.
Jesus lhes ofereceu então um testemunho de Sua divindade, revelando-lhes os íntimos pensamentos. "Sem dúvida Me direis este provérbio: Médico, cura-Te a Ti mesmo; faze também aqui na Tua pátria tudo que ouvimos ter sido feito em Cafarnaum. E disse: Em verdade vos digo que nenhum profeta é bem recebido na sua pátria. Em verdade vos digo que muitas viúvas existiam em Israel nos dias de Elias, quando o céu se cerrou por três anos e seis meses, de sorte que em toda a terra houve grande fome; e a nenhuma delas foi enviado Elias, senão a Sarepta de Sidom, a uma mulher viúva. E muitos leprosos havia em Israel no tempo do profeta Eliseu, e nenhum deles foi purificado, senão Naamã, o siro." Luc. 4:23-27.
Por essa referência à vida dos profetas, Jesus foi ao encontro das dúvidas de Seus ouvintes. Aos servos a quem Deus escolhera, não tinha sido permitido trabalhar por um povo de coração duro e incrédulo. Mas os que tinham coração para sentir e fé para crer, foram especialmente favorecidos com testemunhos de Seu poder, por meio dos profetas. Nos tempos de Elias, Israel se desviara de Deus. Apegavam-se a seus pecados, e rejeitaram as advertências do Espírito por meio dos mensageiros do Senhor. Assim se separaram dos condutos, por onde lhes podiam vir as bênçãos divinas. O Senhor passou por alto os lares de Israel, procurando refúgio para Seu servo numa terra pagã, junto a uma mulher que não pertencia ao povo escolhido. Essa mulher, porém, foi favorecida por haver seguido a luz que tinha, e o coração abriu-se-lhe à maior luz que Deus lhe enviou por intermédio de Seu profeta.
Foi pela mesma razão que, nos dias de Eliseu, os leprosos de Israel foram passados por alto. Mas Naamã, um nobre pagão, fora fiel a suas convicções do que era direito, e sentira sua grande necessidade de auxílio. Achava-se em condições de receber os dons da graça de Deus. Não somente foi curado da lepra, mas abençoado com o conhecimento do verdadeiro Deus.
Nossa posição diante de Deus depende, não da quantidade de luz que temos recebido, mas do uso que fazemos da que possuímos. Assim, mesmo o pagão que prefere o direito, na proporção em que lhe é possível distingui-lo, acha-se em condições mais favoráveis do que os que têm grande luz e professam servir a Deus, mas desatendem a essa luz, e por sua vida diária contradizem sua profissão de fé.
As palavras de Jesus a Seus ouvintes na sinagoga foram um golpe na raiz de sua justiça própria, impressionando-os com a atroz verdade de que se haviam separado de Deus, e perdido o direito de ser Seu povo. Cada palavra cortava como faca, ao ser-lhes apresentada sua verdadeira condição. Zombavam agora da fé que, a princípio, Jesus lhes inspirara. Não admitiriam que Aquele que surgira da pobreza e da humildade fosse mais que um homem comum.
Sua incredulidade gerou a malignidade. Satanás os dominou e, irados, clamaram contra o Salvador. Haviam-se desviado dAquele cuja missão era curar e restaurar; manifestaram então os atributos do destruidor.
Quando Jesus Se referiu às bênçãos dadas aos gentios, o feroz orgulho nacional de Seus ouvintes despertou, e Suas palavras foram sufocadas num tumulto de vozes. Este povo se orgulhava de observar a lei; mas agora que seus preconceitos foram ofendidos, estavam dispostos a cometer homicídio. A assembléia levantou-se e, lançando mãos de Jesus, expulsaram-nO da sinagoga e da cidade. Todos pareciam ansiosos de O destruir. Impeliram-nO para o alto de um precipício, intentando atirá-Lo dali. Gritos e maldições enchiam o espaço. Alguns Lhe atiravam pedras quando, de súbito, desapareceu do meio deles. Os mensageiros celestes que haviam estado a Seu lado na sinagoga, permaneciam com Ele no meio daquela turba enfurecida. Rodearam-nO, isolando-O dos inimigos, e levaram-nO a um lugar seguro.
Assim protegeram os anjos a Ló, conduzindo-o a salvo para fora de Sodoma. Assim defenderam a Eliseu na pequena cidade da montanha. Quando os montes que o circundavam estavam cheios de cavalos e carros do rei da Síria, e do seu grande exército, Eliseu viu as encostas mais próximas cobertas dos exércitos de Deus – cavalos e carros de fogo em torno do servo do Senhor.
Assim, em todas as épocas os anjos têm estado perto dos fiéis seguidores de Cristo. A grande confederação do mal acha-se aparelhada contra todos os que querem vencer; mas Cristo quer que olhemos às coisas invisíveis, aos exércitos celestes acampados em torno de todos quantos amam a Deus, para os livrar. De que perigos, visíveis e invisíveis, temos sido protegidos mediante a intervenção de anjos, jamais saberemos até que, à luz da eternidade, as providências de Deus nos sejam reveladas. Saberemos então que toda a família celestial estava interessada na família aqui de baixo, e que mensageiros do trono de Deus dia a dia nos assistiram os passos.
Quando Jesus, na sinagoga, leu a profecia, deteve-Se antes da final especificação relativa à obra do Messias. Havendo lido as palavras: "A apregoar o ano aceitável do Senhor", omitiu a frase: "e o dia da vingança do nosso Deus." Isa. 61:2. Isto era tão exato como o princípio da profecia e, por Seu silêncio, Jesus não negou a verdade. Mas essa última expressão era aquela em que Seus ouvintes gostavam de pensar, e desejavam ver cumprida. Clamavam juízos contra os pagãos, não discernindo que sua própria culpa era ainda maior que a deles. Achavam-se eles próprios em profunda necessidade daquela misericórdia que recusavam aos gentios. Aquele dia na sinagoga, em que Jesus Se ergueu entre eles, era sua oportunidade de aceitar o chamado do Céu. Aquele que "tem prazer na benignidade" (Miq. 7:18) de bom grado os teria salvo da ruína que seus pecados estavam a convidar.
Não sem mais um chamado ao arrependimento podia Ele abandoná-los. Para o fim de Seu ministério na Galiléia, tornou a visitar a terra de Sua meninice. Depois de haver sido aí rejeitado, a fama de Suas pregações e milagres encheram a Terra. Ninguém podia agora negar que possuía poder sobre-humano. O povo de Nazaré sabia que Ele andava fazendo o bem, e curando a todos os oprimidos de Satanás. Havia em torno deles aldeias inteiras em que não se ouvia um gemido de enfermo em casa alguma, pois Ele passara entre eles e lhes curara todas as enfermidades. A benignidade, revelada em todo ato de Sua vida, dava testemunho de Sua divina unção.
Ao ouvirem-Lhe novamente a Palavra, os nazarenos foram movidos pelo divino Espírito. Mas mesmo então, não queriam admitir que esse Homem, que fora criado entre eles, fosse diverso, ou maior que eles próprios. Ainda eram inflamados pela amarga recordação de que, ao mesmo tempo que afirmava ser Ele próprio o Prometido, lhes havia na verdade recusado um lugar em Israel; pois lhes mostrara serem menos dignos do favor de Deus do que um homem e uma mulher pagãos. Daí, embora indagassem: "De onde veio a Este a sabedoria, e estas maravilhas?" não O queriam receber como o Cristo de Deus. Devido à incredulidade deles, o Salvador não pôde operar muitos milagres. Apenas uns poucos corações se abriram a Sua bênção, e, relutantemente, partiu, para nunca mais voltar.
A incredulidade uma vez acariciada continuou a dominar os homens de Nazaré. Assim imperou ela no Sinédrio e na nação. Para os sacerdotes e o povo, a primeira rejeição da demonstração do poder do Espírito Santo foi o começo do fim. Para mostrar que sua primeira resistência era justa, continuaram sempre, posteriormente, a contestar as palavras de Cristo. Sua rejeição do Espírito atingiu o auge na cruz do Calvário, na destruição de sua cidade, na dispersão do povo aos quatro ventos.
Oh! como Cristo anelava abrir a Israel os preciosos tesouros da verdade! Mas tal era sua cegueira espiritual que se tornava impossível revelar-lhes as verdades concernentes ao Seu reino. Apegavam-se a seu credo e a suas cerimônias inúteis, quando a verdade do Céu aguardava ser por eles aceita. Gastavam o dinheiro em palha e cascas, quando tinham ao seu alcance o pão da vida. Por que não iam à Palavra de Deus e indagavam diligentemente, a ver se estavam em erro? As Escrituras do Antigo Testamento declaravam positivamente cada detalhe do ministério de Cristo, e repetidamente Ele citava os profetas e declarava: "Hoje se cumpriu esta Escritura em vossos ouvidos." Houvessem eles procurado sinceramente as Escrituras, provando suas teorias pela Palavra de Deus, e Jesus não teria precisado chorar por sua impenitência. Não teria necessitado declarar: "Eis que a vossa casa se vos deixará deserta." Luc. 13:35. Deveriam estar familiarizados com as provas de Sua messianidade, e a calamidade que lançou em ruínas sua orgulhosa cidade poderia ter sido desviada. Mas o espírito dos judeus se estreitara por seu irrazoável fanatismo. As lições de Cristo revelavam-lhes as deficiências de caráter, e requeriam arrependimento. Se eles Lhe aceitassem os ensinos, teriam de mudar de hábitos, e suas acariciadas esperanças deviam ser abandonadas. Para serem honrados pelo Céu, deviam sacrificar a honra dos homens. Se obedecessem às palavras desse novo Rabi, tinham de ir de encontro às opiniões dos pensadores e mestres da época.
A verdade era impopular nos dias de Cristo. É impopular em nossos dias. Tem-no sido sempre, desde que Satanás despertou no homem, no princípio, o desagrado por ela, mediante a apresentação de fábulas que induziram à exaltação própria. Não encontramos hoje teorias e doutrinas que não têm fundamento na Palavra de Deus? Os homens a elas se apegam tão tenazmente, como os judeus às suas tradições.
Os guias judaicos estavam cheios de orgulho espiritual. Seu desejo de glorificação própria manifestava-se mesmo no serviço do santuário. Amavam os melhores assentos na sinagoga. Amavam as saudações nas praças, e satisfaziam-se com a publicação de seus títulos por lábios de homens. À medida que declinava a verdadeira piedade, tornavam-se mais zelosos de suas tradições e cerimônias.
Em vista de terem o entendimento obscurecido pelo preconceito egoísta, não podiam harmonizar o poder das convincentes palavras de Cristo com a humildade de Sua vida. Não apreciavam o fato de que a verdadeira grandeza dispensa a ostentação. A pobreza desse Homem parecia inteiramente em desacordo com Sua afirmação de ser o Messias. Cogitavam: Se Ele é o que pretende, por que é tão modesto? Se estava satisfeito de não ter a força das armas, que seria da nação deles? Como poderiam o poder e a glória tão longamente antecipados, trazer as nações em submissão à cidade dos judeus? Não haviam os sacerdotes ensinado que Israel devia exercer domínio sobre a Terra? E seria possível que os grandes mestres religiosos laborassem em erro?
Mas não foi apenas a ausência de glória exterior na vida de Jesus que levou os judeus a rejeitá-Lo. Ele era a personificação da pureza, e eles eram impuros. Ele vivia entre os homens como exemplo de imaculada integridade. Sua vida irrepreensível projetava luz sobre o coração deles. Sua sinceridade lhes revelava a insinceridade. Ela manifestava o vazio de sua pretensa piedade, e mostrava-lhes a iniqüidade em seu odioso caráter. Essa luz era mal recebida.
Se Cristo houvesse chamado a atenção para os fariseus, e lhes exaltasse o saber e a piedade, tê-Lo-iam saudado com alegria. Mas quando lhes falou do reino do Céu como uma dispensação de misericórdia a toda a humanidade, estava a apresentar um aspecto da religião que eles não suportavam. Seu próprio exemplo e ensino nunca haviam sido de molde a tornar desejável o serviço de Deus. Ao verem Jesus dando atenção àqueles mesmos que odiavam e repeliam, isso lhes incitava as piores paixões no coração orgulhoso. Não obstante sua vanglória de que, sob o "Leão da tribo de Judá" (Apoc. 5:5) Israel seria exaltado à preeminência sobre todas as nações, teriam podido sofrer a decepção de suas ambiciosas esperanças, de preferência a suportar a reprovação de Cristo a seus pecados, e a repreensão que sentiam mesmo pela presença de Sua pureza.

24.1.09

CAPÍTULO 23

O Reino de Deus Está Próximo

Veio Jesus para Galiléia, pregando o evangelho do reino de Deus, e dizendo: "O tempo está cumprido, e o reino de Deus está próximo. Arrependei-vos, e crede no evangelho." Mar. 1:14 e 15.
A vinda do Messias anunciara-se primeiramente na Judéia. No templo de Jerusalém, fora predito a Zacarias o nascimento do precursor, enquanto aquele ministrava perante o altar. Nas montanhas de Belém, os anjos proclamaram o nascimento de Jesus. Os magos foram a Jerusalém em busca dEle. Simeão e Ana testificaram no templo de Sua divindade. "Jerusalém e toda a Judéia" ouviram a pregação de João Batista; e os emissários do Sinédrio, juntamente com a multidão, escutaram seu testemunho quanto a Jesus. Na Judéia, Cristo recebera os primeiros discípulos. Ali tivera lugar grande parte do princípio de Seu ministério inicial. A irradiação de Sua divindade na purificação do templo, Seus milagres de cura, e as lições da verdade divina que Lhe caíram dos lábios, tudo proclamava aquilo que, depois da cura de Betesda, Ele declarara perante o Sinédrio – Sua filiação do Eterno.
Houvessem os guias de Israel recebido a Cristo, e Ele os teria honrado como mensageiros Seus para levar o evangelho ao mundo. Foi-lhes dada, primeiramente a eles, a oportunidade de se tornarem arautos do reino e da graça de Deus. Mas Israel não conheceu o tempo de sua visitação. Os ciúmes e desconfianças dos chefes judaicos maturaram em ódio aberto, e o coração do povo se desviou de Jesus.
O Sinédrio rejeitara a mensagem de Cristo, e intentava matá-Lo; portanto, Jesus partiu de Jerusalém, afastou-Se dos sacerdotes, do templo, dos guias religiosos, do povo que fora instruído na lei, e voltou-Se para outra classe, para proclamar Sua mensagem, e remir os que haviam de levar o evangelho a todas as nações.
Como a luz e a vida dos homens foi rejeitada pelas autoridades eclesiásticas nos dias de Cristo, assim tem sido rejeitada em todas as subseqüentes gerações. Freqüentemente se tem repetido a história da retirada de Cristo da Judéia. Quando os reformadores pregavam a Palavra de Deus, não tinham idéia alguma de se separar da igreja estabelecida; os guias religiosos, porém, não toleravam a luz, e os que a conduziam eram forçados a buscar outra classe, a qual estava ansiosa da verdade. Em nossos dias, poucos dos professos seguidores da Reforma são atuados pelo espírito da mesma. Poucos estão à escuta da voz de Deus, e prontos a aceitar a verdade, seja qual for a maneira por que se apresente. Muitas vezes os que seguem os passos dos reformadores são forçados a retirar-se da igreja que amam, a fim de declarar o positivo ensino da Palavra de Deus. E muitas vezes os que estão à procura da luz são, pelos mesmos ensinos, obrigados a deixar a igreja de seus pais, a fim de prestar obediência.
O povo da Galiléia era desprezado pelos rabis de Jerusalém como rústico e ignorante; apresentava, todavia, campo mais favorável à obra do Salvador. Eram mais fervorosos e sinceros; estavam menos sob a influência da hipocrisia; tinham mais aberto o espírito à recepção da verdade. Indo para a Galiléia, não estava Jesus procurando exclusão ou isolamento. A província era a esse tempo habitada por numerosa população, com muito maior mistura de gente de outras nações do que se encontrava na Judéia.
Ao viajar Jesus pela Galiléia ensinando e curando, multidões a Ele se juntavam das cidades e vilas. Muitas vezes Se via obrigado a ocultar-Se do povo. O entusiasmo subia a tal ponto, que se tornavam necessárias precauções, não fossem despertados os receios das autoridades romanas quanto a qualquer insurreição. Nunca dantes houvera um período assim para o mundo. O Céu baixara aos homens. Almas famintas e sedentas que haviam longamente esperado a redenção de Israel, deleitavam-se agora na graça de um misericordioso Salvador.
A nota predominante da pregação de Cristo, era: "O tempo está cumprido, e o reino de Deus está próximo. Arrependei-vos, e crede no evangelho." Mar. 1:15. Assim a mensagem evangélica, segundo era anunciada pelo próprio Salvador, baseava-se nas profecias. O "tempo" que declarava estar cumprido, era o período de que o anjo Gabriel falara a Daniel. "Setenta semanas", dissera o anjo, "estão determinadas sobre o teu povo, e sobre a tua santa cidade, para extinguir a transgressão, e dar fim aos pecados, para expiar a iniqüidade, e trazer a justiça eterna, e selar a visão e a profecia, e para ungir o Santo dos santos." Dan. 9:24. Um dia, profeticamente, representa um ano. Núm. 14:34. Ezeq. 4:6. As setenta semanas, ou quatrocentos e noventa dias, representam quatrocentos e noventa anos. É dado um ponto de partida para esse período: "Sabe e entende: desde a saída da ordem para restaurar e para edificar Jerusalém, até ao Messias, o Príncipe, sete semanas, e sessenta e duas semanas" (Dan. 9:25), sessenta e nove semanas, ou quatrocentos e oitenta e três anos. A ordem para restaurar e edificar Jerusalém, confirmada pelo decreto de Artaxerxes Longímano (Esd. 6:14; 7:1), entrou em vigor no outono de 457 a.C. Daí, quatrocentos e oitenta e três anos estendem-se ao outono de 27 d.C. Segundo predição dos profetas, esse período devia chegar ao Messias, o Ungido. No ano 27, Jesus recebeu, em Seu batismo, a unção do Espírito Santo, e pouco depois começou Seu ministério. Foi então proclamada a mensagem: "O tempo está cumprido."
Então, disse o anjo: "Ele firmará um concerto com muitos por uma semana [sete anos]." Durante sete anos depois de começar o Salvador Seu ministério, o evangelho devia ser pregado especialmente aos judeus; três anos e meio, pelo próprio Cristo, e depois, pelos apóstolos. "Na metade da semana fará cessar o sacrifício e a oferta de manjares." Dan. 9:27. Na primavera de 31 d.C., Cristo, o verdadeiro sacrifício, foi oferecido no Calvário. Então o véu do templo se rasgou em dois, mostrando que a santidade e significação do serviço sacrifical desapareceram. Chegara o tempo de cessar o sacrifício terrestre e a oblação.
A semana – sete anos – terminou em 34 d.C. Então, pelo apedrejamento de Estêvão, os judeus selaram afinal sua rejeição do evangelho; os discípulos espalhados pela perseguição "iam por toda parte, anunciando a Palavra" (Atos 8:4), e pouco depois, Saulo, o perseguidor, se converteu e tornou-se Paulo, o apóstolo dos gentios.
O tempo da vinda de Cristo, Sua unção pelo Espírito Santo, Sua morte, e a pregação do evangelho aos gentios, foram definidamente indicados. O povo judeu teve o privilégio de compreender essas profecias e reconhecer seu cumprimento na missão de Jesus. Cristo insistia com Seus discípulos quanto à importância do estudo profético. Referindo-Se à profecia dada a Daniel acerca do tempo deles, disse: "Quem lê, entenda." Mat. 24:15. Depois de Sua ressurreição, explicou aos discípulos, começando por "todos os profetas", "o que dEle se achava em todas as Escrituras". Luc. 24:27. O Salvador falara por intermédio de todos os profetas. "O Espírito de Cristo, que estava neles, indicava, anteriormente testificando os sofrimentos que a Cristo haviam de vir, e a glória que se lhes havia de seguir." I Ped. 1:11.
Foi Gabriel, o anjo que ocupa a posição imediata ao Filho de Deus, que veio com a divina mensagem a Daniel. Foi Gabriel "Seu anjo", que Cristo enviou a revelar o futuro ao amado João; e é proferida uma bênção sobre os que lêem e ouvem as palavras da profecia, e observam as coisas ali escritas. Apoc. 1:3.
"O Senhor Jeová não fará coisa alguma, sem ter revelado o Seu segredo aos Seus servos, os profetas." Ao passo que "as coisas encobertas são para o Senhor nosso Deus" (Amós 3:7), "as reveladas são para nós e para nossos filhos para sempre". Deut. 29:29. Deus nos tem dado essas coisas, e Sua bênção acompanhará o estudo reverente das escrituras proféticas, apoiado de oração.
Como a mensagem do primeiro advento de Cristo anunciava o reino de Sua graça, assim a de Sua segunda vinda anuncia o reino de Sua glória. E a segunda, como a primeira mensagem, acha-se baseada nas profecias. As palavras do anjo a Daniel, com relação aos últimos dias, deviam ser compreendidas no tempo do fim. A esse tempo, "muitos correrão de uma parte para outra, e a ciência se multiplicará". "Os ímpios procederão impiamente, e nenhum dos ímpios entenderá, mas os sábios entenderão." Dan. 12:4 e 10. O próprio Salvador deu sinais de Sua vinda, e diz: "Quando virdes acontecer estas coisas, sabei que o reino de Deus está perto." "E olhai por vós, não aconteça que os vossos corações se carreguem de glutonaria, de embriaguez, e dos cuidados da vida, e venha sobre vós de improviso aquele dia." "Vigiai pois em todo o tempo, orando, para que sejais havidos por dignos de evitar todas estas coisas que hão de acontecer, e de estar em pé diante do Filho do homem." Luc. 21:31, 34 e 36.
Chegamos ao período predito nessas passagens. É chegado o tempo do fim, as visões dos profetas acham-se reveladas, e suas solenes advertências nos mostram a vinda de nosso Senhor em glória como próxima, às portas.
Os judeus interpretaram e aplicaram mal a Palavra de Deus, e não conheceram o tempo de sua visitação. Os anos do ministério de Cristo e Seus apóstolos – os derradeiros anos de graça para o povo escolhido – passaram-nos tramando a destruição dos mensageiros do Senhor. Terrestres ambições os absorviam, e o oferecimento do reino espiritual foi-lhes feito em vão. Assim hoje o reino deste mundo absorve os pensamentos dos homens, e não observam o veloz cumprimento das profecias e os indícios do rápido aproximar do reino de Deus.
"Mas vós, irmãos, já não estais em trevas, para que aquele dia vos surpreenda como um ladrão; porque todos vós sois filhos da luz e filhos do dia; nós não somos da noite nem das trevas." Se bem que não saibamos a hora da volta de nosso Senhor, podemos conhecer quando está perto. "Não durmamos pois, como os demais, mas vigiemos, e sejamos sóbrios." I Tess. 5:4-6.

23.1.09

CAPÍTULO 22

Prisão e Morte de João Batista

João Batista fora o primeiro a anunciar o reino de Cristo, e foi também o primeiro a sofrer. As paredes de uma cela na prisão separavam-no agora da liberdade do deserto e das vastas multidões suspensas de suas palavras. Estava prisioneiro na fortaleza de Herodes Ântipas. Grande parte do ministério de João Batista tivera lugar no território leste do Jordão, o qual se achava sob o domínio de Ântipas. O próprio Herodes escutara as pregações de João. O dissoluto rei tremera ante o chamado ao arrependimento. "Herodes temia a João, sabendo que era varão justo; ... e fazia muitas coisas, atendendo-o, e de boamente o ouvia." Mar. 6:20. João portou-se fielmente para com ele, acusando-o por sua iníqua aliança com Herodias, mulher de seu irmão. Por algum tempo Herodes procurou fracamente quebrar a cadeia de concupiscência que o ligava; mas Herodias prendeu-o mais firmemente em suas redes, e vingou-se de Batista, induzindo Herodes a lançá-lo na prisão.
A vida de João fora de ativo labor, e as sombras e a inatividade da prisão pesavam fortemente sobre ele. Ao passar semana após semana, sem trazer nenhuma mudança, o acabrunhamento e a dúvida se foram sutilmente apoderando dele. Seus discípulos não o abandonaram. Era-lhes permitida entrada na prisão; levaram-lhe notícias das obras de Jesus, e disseram-lhe como o povo se estava aglomerando em torno dEle. Mas indagavam por que, se esse novo mestre era o Messias, não fazia nada para que João fosse solto? Como podia Ele permitir que Seu fiel precursor fosse privado da liberdade e talvez da vida?
Estas perguntas não deixaram de produzir efeito. Dúvidas que, do contrário, nunca teriam sido suscitadas, foram então sugeridas a João. Satanás regozijou-se em ouvir as palavras desses discípulos, e ver como elas quebrantaram a alma do mensageiro do Senhor. Oh! quantas vezes os que se julgam amigos de um homem bom, e anseiam mostrar sua fidelidade para com ele, se demonstram os mais perigosos inimigos! Quantas vezes, em lugar de lhe fortalecer a fé, suas palavras deprimem e desanimam!
Como os discípulos do Salvador, João Batista não compreendia a natureza do reino de Cristo. Esperava que Jesus tomasse o trono de Davi; e, ao passar o tempo, e o Salvador não reclamar nenhuma autoridade real, João ficou perplexo e turbado. Declarara ao povo que, a fim de o caminho ser preparado diante do Senhor, a profecia de Isaías devia ser cumprida, os montes e os outeiros se deviam abaixar, endireitar os caminhos tortuosos, e os lugares ásperos ser aplainados. Esperava que as elevações do orgulho e do poder humanos fossem derribadas. Apresentara o Messias como Aquele cuja pá estava em Sua mão, e que limparia inteiramente Sua eira, ajuntaria o trigo no celeiro, e queimaria a palha com fogo que não se apagaria. Como o profeta Elias, em cujo espírito e poder ele próprio viera a Israel, esperava que o Senhor Se revelasse como um Deus que responde por fogo.
O Batista fora, em sua missão, um destemido reprovador da iniqüidade, tanto nos lugares elevados como nos humildes. Ousara enfrentar o rei Herodes com a positiva repreensão do pecado. Não tivera a vida por preciosa, contanto que cumprisse a missão que lhe fora designada. E agora, de sua prisão, aguardava que o Leão da tribo de Judá abatesse o orgulho do opressor, e libertasse o pobre e o que clamava. Mas Jesus parecia contentar-Se com reunir discípulos em volta de Si, curar e ensinar o povo. Comia à mesa dos publicanos, ao passo que dia a dia mais pesado se tornava o jugo romano sobre Israel, o rei Herodes e a vil amante faziam sua vontade, e o clamor do pobre e sofredor subia ao Céu.
Ao profeta do deserto tudo isso se afigurava um mistério além de sua penetração. Havia horas em que os cochichos dos demônios lhe torturavam o espírito, e a sombra de um terrível temor, dele se apoderava. Poder-se-ia dar que o longamente esperado Libertador ainda não houvesse aparecido? Então, que significaria a mensagem que ele próprio fora compelido a anunciar? João sentira-se cruelmente decepcionado com o resultado de sua missão. Esperara que a mensagem de Deus tivesse o mesmo efeito que produzira a leitura da lei nos dias de Josias (II Crôn. 34) e de Esdras (Nee. 8 e 9); que se seguiria uma profunda obra de arrependimento e volta ao Senhor. Ao êxito dessa obra, toda a sua existência fora sacrificada. Havia isso sido em vão?
João sentiu-se perturbado por ver que, pelo amor que lhe tinham, seus discípulos estavam nutrindo incredulidade a respeito de Jesus. Teria acaso sido infrutífero seu trabalho em favor deles? Teria sido infiel em sua missão, para ser agora excluído do labor? Se o Libertador tinha aparecido, e João se provara fiel a sua vocação, não havia Jesus de derribar agora o poder do opressor e libertar Seu arauto?
Mas o Batista não abandonou sua fé em Cristo. A lembrança da voz do Céu e da pomba que descera, da imaculada pureza de Jesus, do poder do Espírito Santo que sobre ele próprio repousara ao encontrar-se em presença do Salvador, e do testemunho das escrituras proféticas – tudo testificava de que Jesus de Nazaré era o Prometido.
João não queria discutir suas dúvidas e ansiedades com os companheiros. Decidiu enviar mensageiros a indagar de Jesus. Isso confiou a dois de seus discípulos, esperando que uma entrevista com o Salvador lhes confirmaria a fé, e traria certeza a seus irmãos. João ansiava uma palavra de Cristo, proferida diretamente a ele.
Os discípulos foram ter com Jesus, levando sua mensagem: "És Tu Aquele que havia de vir, ou esperamos outro?" Mat. 11:3.
Quão pouco o espaço decorrido desde que o Batista apontara a Jesus, e proclamara: "Eis o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo", "Este era Aquele de quem eu dizia: O que vem depois de mim é antes de mim!" João 1:29 e 27. E agora, pergunta: "És Tu Aquele que havia de vir?" Isso era profundamente cruel e decepcionante para a natureza humana. Se João, o fiel precursor, deixava de discernir a missão de Cristo, que se poderia esperar da interesseira multidão?
O Salvador não respondeu imediatamente à pergunta dos discípulos. Enquanto eles ficavam por ali, admirados de Seu silêncio, os enfermos e aflitos iam ter com Ele para ser curados.
Os cegos iam às apalpadelas, abrindo caminho entre a multidão; doentes de todas as classes, alguns buscando conseguir por si mesmos passagem, outros conduzidos pelos amigos, comprimiam-se, todos ansiosos de chegar à presença de Jesus. A voz do poderoso Médico penetrava o ouvido surdo. Uma palavra, um toque de Sua mão, abria os olhos cegos à contemplação da luz do dia, das cenas da Natureza, do rosto dos amigos e do semblante do Libertador. Jesus repreendia a moléstia e expulsava a febre. Sua voz chegava aos ouvidos dos moribundos e erguiam-se com saúde e vigor. Paralisados possessos obedeciam-Lhe a voz, desaparecia-lhes a loucura, e O adoravam. Ao mesmo tempo que lhes curava as doenças, ensinava o povo. Os pobres camponeses e trabalhadores evitados pelos rabis como imundos, rodeavam-nO de perto, e Ele lhes dizia as palavras de vida eterna.
Assim se passou o dia, os discípulos de João vendo e ouvindo tudo. Por fim Jesus os chamou a Si, pediu-lhes que fossem, e dissessem a João o que haviam testemunhado, acrescentando: "Bem-aventurado é aquele que se não escandalizar em Mim." A prova de Sua divindade mostrava-se na adaptação da mesma às necessidades da humanidade sofredora. Sua glória revelava-se na complacência que tinha para com nossa baixa condição.
Os discípulos levaram a mensagem, e foi o suficiente. João recordou a predição concernente ao Messias: "O Senhor Me ungiu, para pregar boas novas aos mansos; enviou-Me a restaurar os contritos de coração, a proclamar liberdade aos cativos, e a abertura de prisão aos presos; a apregoar o ano aceitável do Senhor." Isa. 61:1 e 2. As obras de Cristo não somente manifestavam que Ele era o Messias, mas mostravam a maneira por que Seu reino havia de ser estabelecido. A João revelara-se a mesma verdade que se desvendara a Elias no deserto: "um grande e forte vento… fendia os montes e quebrava as penhas diante da face do Senhor; porém o Senhor não estava no vento; e depois do vento um terremoto; também o Senhor não estava no terremoto; e depois do terremoto um fogo; porém também o Senhor não estava no fogo" (I Reis 19:11 e 12); e depois do fogo o Senhor falou ao profeta por uma voz mansa e delicada. Assim Jesus devia fazer Sua obra, não com o choque das armas, nem a subversão de tronos e reinos, mas falando ao coração dos homens por uma vida de misericórdia e sacrifício.
O princípio da própria vida do Batista, a abnegação, era o princípio do reino do Messias. João bem sabia quão estranho era tudo isso aos princípios e esperanças dos guias de Israel. Aquilo que para ele era convincente testemunho da divindade de Cristo, não seria prova nenhuma para eles. Estavam aguardando um Messias que não fora prometido. João viu que a missão do Salvador só podia granjear deles ódio e condenação. Ele, o precursor, não estava senão bebendo do cálice que o próprio Cristo havia de esgotar até às fezes.
As palavras do Salvador: "Bem-aventurado é aquele que se não escandalizar em Mim", eram uma branda repreensão a João. Não foi em vão para ele. Compreendendo mais claramente agora a natureza da missão de Cristo, entregou-se a Deus para a vida e para a morte, segundo melhor conviesse aos interesses da causa que amava.
Depois da partida dos mensageiros, Jesus falou ao povo a respeito de João. O coração do Salvador dilatou-se em simpatia para com a fiel testemunha agora sepultada na prisão de Herodes. Não deixaria que o povo concluísse que Deus havia abandonado João, ou que sua fé falecera no dia da prova. "Que fostes ver no deserto?" disse, "uma cana agitada pelo vento?" Mat. 11:7.
As altas canas que cresciam ao lado do Jordão, agitando-se a cada brisa, eram apropriadas representações dos rabis que se haviam constituído críticos e juízes da missão do Batista. Eles pendiam nesta e naquela direção, segundo os ventos da opinião popular. Não se queriam humilhar para receber a penetrante mensagem do Batista, todavia por temor do povo não tinham ousado opor-se abertamente a sua obra. O mensageiro de Deus, porém, não era de espírito assim covarde. As multidões reunidas em torno de Cristo tinham testemunhado a obra de João. Haviam-lhe escutado a destemida repreensão do pecado. Aos fariseus cheios de justiça própria, aos sacerdotes saduceus, ao rei Herodes e sua corte, príncipes e soldados, publicanos e camponeses, a todos falara João com igual franqueza. Não era uma cana trêmula, agitada pelos ventos do louvor ou preconceitos humanos. Na prisão, foi, em sua lealdade para com o Senhor e seu zelo pela justiça, o mesmo que ao pregar a mensagem de Deus no deserto. Em sua fidelidade aos princípios, era firme como a rocha.
Jesus continuou: "Sim, que fostes ver? um homem ricamente vestido? Os que trajam ricamente estão na casa dos reis." Mat. 11:8. João fora chamado a reprovar os pecados e excessos de seu tempo, e seu singelo vestuário e vida abnegada estavam em harmonia com seu caráter e missão. Ricos trajes e os luxos da vida não constituem a porção dos servos de Deus, mas dos que residem "nas casas dos reis", os dominadores deste mundo, aos quais pertencem seu poder e riquezas. Jesus desejava chamar a atenção para o contraste existente entre o vestuário de João, e o que era usado pelos sacerdotes e líderes. Esses oficiais paramentavam-se com ricas vestimentas e dispendiosos ornamentos. Amavam a ostentação, e esperavam deslumbrar o povo, impondo assim mais consideração. Estavam mais ansiosos de conquistar a admiração dos homens, do que de obter a pureza íntima, que tem a aprovação de Deus. Mostravam assim que sua lealdade não era para com Deus, mas com o reino deste mundo.
"Mas então que fostes ver?" disse Jesus; "um profeta? sim, vos digo Eu, e muito mais do que profeta; porque é este de quem está escrito:
"Eis que diante da Tua face envio o Meu anjo, que preparará diante de Ti o Teu caminho.
"Em verdade vos digo que, entre os que de mulher têm nascido, não apareceu alguém maior do que João Batista." Mat. 11:9-11. No anúncio feito a Zacarias, antes do nascimento de João, o anjo declarara: "Será grande diante do Senhor." Luc. 1:15. Que, em face da maneira de avaliar do Céu, constitui a grandeza? – Não o que o mundo reputa como tal; não riqueza, nem posição, nem nobreza de linhagem, nem dons intelectuais considerados em si mesmos. Se grandeza intelectual, à parte de qualquer consideração mais elevada, é digna de honra, então Satanás merece nossa homenagem, que suas faculdades intelectuais nenhum homem já igualou. Mas, quando pervertido para o serviço do próprio eu, quanto maior o dom, tanto maior maldição se torna. Valor moral, eis o que é estimado por Deus. Amor e pureza são os atributos que mais aprecia. João era grande aos olhos do Senhor quando, em presença dos emissários do Sinédrio, diante do povo e perante seus próprios discípulos, se absteve de buscar honra para si, mas encaminhou todos para Jesus como o Prometido. Sua desinteressada alegria no ministério de Cristo, apresenta o mais elevado tipo de nobreza já revelado em homem.
O testemunho dado a seu respeito, depois de morto, pelos que o ouviram testificar de Jesus, foi: "João não fez sinal algum, mas tudo quanto João disse dEste era verdade." João 10:41. Não foi concedido ao Batista fazer cair fogo do Céu, ou ressuscitar um morto, como fizera Elias, ou empunhar a vara do poder de Moisés em nome de Deus. Foi enviado para anunciar o advento do Salvador, e chamar o povo a preparar-se para Sua vinda. Tão fielmente cumpriu ele sua missão, que, ao recordar o povo o que lhes ensinara a respeito de Jesus, podiam dizer: "Tudo quanto João disse dEste era verdade." Um testemunho assim todo discípulo de Cristo é chamado a dar de seu Mestre.
Como precursor do Messias, João era "muito mais do que profeta". Pois ao passo que os profetas haviam visto de longe o advento de Cristo, a João foi dado contemplá-Lo, ouvir do Céu o testemunho de Sua messianidade, e apresentá-Lo a Israel como o Enviado de Deus. Todavia, Jesus disse: "Aquele que é o menor no reino dos Céus é maior do que ele." Mat. 11:11.
O profeta João foi o elo que ligou as duas dispensações. Como representante de Deus, apresentou-se para mostrar a relação da lei e dos profetas para com a dispensação cristã. Era a luz menor, que havia de ser seguida por outra maior. A mente de João era iluminada pelo Espírito Santo, a fim de que projetasse luz sobre seu povo; nenhuma outra luz, porém, nunca brilhou nem jamais brilhará tão claramente sobre os caídos homens, como a que emanou dos ensinos e exemplos de Jesus. Cristo e Sua missão, segundo eram tipificados nos sacrifícios simbólicos, não foram compreendidos senão muito vagamente. O próprio João não entendera plenamente a vida futura e imortal mediante o Salvador.
Exceto a alegria que João encontrara em sua missão, sua existência foi de dores. Raras vezes fora sua voz ouvida a não ser no deserto. O isolamento foi a sorte que lhe coube. E não lhe foi dado ver os frutos de seus labores. Não teve o privilégio de estar com Cristo, e testemunhar a manifestação de poder divino que acompanhava a maior luz. Não lhe foi concedido ver o cego no gozo da vista, o enfermo restabelecido e o morto ressuscitado. Não contemplou a luz que irradiava de cada palavra de Cristo, derramando glória sobre as promessas da profecia. O menor discípulo que viu as poderosas obras de Cristo, e Lhe ouviu as palavras, foi, nesse sentido, mais altamente privilegiado que João Batista e, portanto, diz-se ter sido maior do que ele.
Através das vastas multidões que haviam escutado as pregações de João, sua fama espalhara-se pela terra. Profundo era o interesse sentido quanto ao resultado de sua prisão. Mas sua vida irrepreensível, e o forte sentimento público em seu favor levavam a crer que nenhuma medida violenta seria tomada contra ele.
Herodes acreditava que João era profeta de Deus, e tinha toda a intenção de o pôr em liberdade. Adiava, porém, seu desígnio, por temor de Herodias.
Herodias sabia que, por meios diretos, nunca poderia obter o consentimento de Herodes para a morte de João, e resolveu realizar seu intento por meio de estratagema. No dia do aniversário do rei, devia ser oferecida uma festa aos funcionários do Estado e aos nobres da corte. Haveria banquete e bebedice. Herodes ficaria assim sem o natural controle, podendo ser então influenciado segundo a vontade dela.
Ao chegar o grande dia, e estar o rei se banqueteando e bebendo com seus grandes, Herodias mandou sua filha à sala do banquete para dançar a fim de entreter os convivas. Salomé estava no viço da juventude, e sua voluptuosa beleza cativou os sentidos dos nobres comensais. Não era costume que as senhoras da corte aparecessem nessas festividades, e foi prestada a Herodes lisonjeira homenagem, quando essa filha de sacerdotes e príncipes de Israel dançou para entretenimento de seus convidados.
O rei estava perturbado pelo vinho. A razão foi destronada e a paixão tomou o comando. Viu unicamente a sala de prazer, com os divertidos hóspedes, a mesa do banquete, o vinho cintilante, o brilho das luzes e a jovem que dançava diante dele. No impulso do momento, desejou fazer qualquer exibição que o exaltasse diante dos grandes do reino. Com juramento, prometeu dar à filha de Herodias fosse o que fosse que ela pedisse, até mesmo a metade do reino.
Salomé correu para a mãe, a fim de saber o que devia pedir. A resposta estava pronta – a cabeça de João Batista. Salomé desconhecia a sede de vingança que havia no coração da mãe, e recuou ante a idéia de apresentar esse pedido; a decisão de Herodias prevaleceu, porém. A menina voltou com a terrível petição: "Dá-me aqui num prato a cabeça de João Batista." Mat. 14:8.
Herodes ficou atônito e confundido. Cessou a ruidosa festa, e um sinistro silêncio baixou sobre a cena de orgia. O rei sentiu-se tomado de horror ante a idéia de tirar a vida de João. No entanto, sua palavra estava empenhada, e não queria parecer inconstante ou precipitado. O juramento fora feito em honra dos hóspedes, e se um deles houvesse proferido uma palavra contra o cumprimento da promessa, de boa vontade teria poupado o profeta. Deu-lhes oportunidade de falar em favor do preso. Eles haviam caminhado longas distâncias para ouvir a pregação de João, e sabiam ser ele homem isento de crime, e servo de Deus. Mas, conquanto chocados com o pedido da jovem, estavam demasiado embrutecidos para fazer qualquer objeção. Voz alguma se ergueu para salvar a vida do mensageiro do Céu. Estes homens ocupavam altas posições de confiança na nação, e sobre eles pesavam sérias responsabilidades; tinham-se, no entanto, entregue a comer e a beber até que os sentidos lhes ficaram embotados. Transtornou-se-lhes o cérebro com a estonteante cena de música e dança, e a consciência jazia adormecida. Com seu silêncio, proferiram a sentença de morte contra o profeta de Deus, para satisfazer a vingança de uma depravada mulher.
Herodes em vão esperou para ser libertado do juramento; então, relutantemente, ordenou a execução do profeta. Em breve a cabeça do Batista foi levada perante o rei e os hóspedes. Selados estavam para sempre aqueles lábios que fielmente advertiram Herodes para se desviar da vida de pecado. Nunca mais se ouviria aquela voz, chamando os homens ao arrependimento. A orgia de uma noite custaria a vida de um dos maiores profetas.
Oh! quantas vezes tem a vida de um inocente sido sacrificada em razão da intemperança dos que deviam ter sido os guardas da justiça! Aquele que leva aos lábios a taça intoxicante, torna-se responsável por toda injustiça que possa cometer sob sua embrutecedora influência. Entorpecendo os sentidos, torna a si mesmo impossível julgar serenamente ou ter clara percepção do direito e do erro. Abre a Satanás o caminho para operar por meio dele em oprimir e destruir o inocente. "O vinho é escarnecedor, e a bebida forte alvoroçadora; e todo aquele que neles errar nunca será sábio." Prov. 20:1. É por isso que "o juízo se tornou atrás, … e quem se desvia do mal arrisca-se a ser despojado". Isa. 59:14 e 15. Aqueles que têm jurisdição sobre a vida de seus semelhantes, deveriam ser considerados culpados de um crime quando se entregam à intemperança. Todos quantos executam as leis, devem ser observadores das mesmas. Cumpre-lhes ser homens de domínio próprio. Precisam ter inteiro controle sobre suas faculdades físicas, mentais e morais, a fim de possuírem vigor intelectual e elevado senso de justiça.
A cabeça de João Batista foi levada a Herodias, que a recebeu com infernal satisfação. Exultou em sua vingança, e lisonjeou-se de que não mais a consciência de Herodes seria perturbada. Nenhuma felicidade, porém, lhe adveio de seu pecado. Seu nome tornou-se notório e aborrecido, ao passo que Herodes foi mais atormentado pelo remorso do que o havia sido pelas advertências do profeta. A influência dos ensinos de João não emudeceu; ela se devia estender a cada geração até ao fim dos séculos.
O pecado de Herodes estava sempre diante dele. Buscava constantemente alívio às acusações da consciência culpada. Sua confiança em João ficou inabalável. Ao recordar-lhe a vida de abnegação, seus solenes e fervorosos apelos, seu são juízo no conselho, e lembrar então de como morrera, Herodes não podia encontrar sossego. Empenhado nos negócios do Estado, recebendo honras dos homens, apresentava rosto sorridente e aspecto de dignidade, ao passo que ocultava o coração ansioso, sempre oprimido pelo temor de que pesava sobre ele uma maldição.
Herodes ficara profundamente impressionado pelas palavras de João, de que não se pode ocultar coisa alguma a Deus. Estava convencido de que Ele Se acha presente em todo lugar, que testemunhara a orgia na sala do banquete, ouvira a ordem de degolar a João, e vira Herodias exultante, e os insultos que proferira para a decapitada cabeça de seu reprovador. E muitas coisas que Herodes ouvira dos lábios do profeta falavam-lhe agora à consciência mais distintamente do que fizera a pregação no deserto.
Quando Herodes ouviu falar das obras de Cristo, sentiu-se imensamente perturbado. Pensou que Deus ressuscitara a João, e o enviara ainda com mais poder para condenar o pecado. Vivia em constante temor de que João vingasse sua morte condenando-o, a ele e a sua casa. Herodes estava ceifando aquilo que Deus declarara ser o resultado do pecado – "coração tremente, e desfalecimento dos olhos, e desmaio da alma. E a tua vida como suspensa estará diante de ti; e estremecerás de noite e de dia, e não crerás na tua própria vida. Pela manhã dirás: Ah! quem me dera ver a noite! E à tarde dirás: Ah! quem me dera ver a manhã! pelo pasmo de teu coração, com que pasmarás, e pelo que verás com os teus olhos". Deut. 28:65-67. Os próprios pensamentos do pecador são seus acusadores; e não pode haver mais penetrante tortura que os aguilhões da consciência culpada, que não lhe dá repouso nem de dia nem de noite.
Para muitos espíritos, um profundo mistério envolve a sorte de João Batista. Indagam porque teria sido deixado a definhar-se e perecer na prisão. O mistério dessa escura providência, nossa visão humana não pode penetrar; não poderá, no entanto, nunca abalar nossa confiança em Deus, quando nos lembramos de que João nada mais foi do que um participante dos sofrimentos de Cristo. Todos quantos O seguem hão de cingir a coroa do sacrifício. Serão indubitavelmente malcompreendidos pelos egoístas, e se tornarão alvo dos ferozes assaltos de Satanás. Esse princípio de abnegação é que seu reino se propôs destruir, e guerreá-lo-á onde quer que se manifeste.
A infância, juventude e varonilidade de João caracterizam-se pela firmeza e poder moral. Quando sua voz se fizera ouvir no deserto, dizendo: "Preparai o caminho do Senhor, endireitai as Suas veredas" (Mat. 3:3), Satanás temeu pela segurança de seu reino. A culpabilidade do pecado era revelada de tal maneira, que os homens tremiam. Foi despedaçado o poder de Satanás sobre muitos que lhe haviam estado sob o controle. Ele fora incansável em procurar afastar o Batista de uma vida de incondicional submissão a Deus; fracassara, porém. E fracassara igualmente quanto a Jesus. Na tentação do deserto, Satanás fora derrotado, e grande havia sido seu furor. Decidira agora causar dor a Cristo, ferindo a João. Àquele a quem não conseguia instigar ao pecado, havia de causar sofrimento.
Jesus não Se interpôs para livrar Seu servo. Sabia que João havia de suportar a prova. De boa vontade teria o Salvador ido ter com João, para, com Sua presença, aclarar-lhe as sombras do cárcere. Mas não Se devia colocar nas mãos dos inimigos e pôr em perigo Sua própria missão. Com prazer teria libertado Seu fiel servo. Mas por amor de milhares que haveriam em anos posteriores, de passar da prisão para a morte, João devia beber o cálice do martírio. Ao haverem os seguidores de Jesus de definhar em solitárias celas, ou perecer pela espada, e pela tortura, ou na fogueira, aparentemente abandonados de Deus e do homem, que esteio não lhes seria ao coração o pensamento de que João Batista, de cuja fidelidade o próprio Cristo dera testemunho, passara por idêntica experiência!
Foi permitido a Satanás abreviar a vida terrena do mensageiro de Deus; mas aquela vida que "está escondida com Cristo em Deus" (Col. 3:3), o destruidor não podia atingir. Exultou por haver ocasionado aflição a Jesus, mas fracassara em vencer a João. A morte em si mesma apenas o colocara para sempre além do poder da tentação. Nessa contenda Satanás estava revelando o próprio caráter. Manifestou, em presença do expectante Universo, sua inimizade para com Deus e o homem.
Conquanto nenhum miraculoso livramento fosse proporcionado a João, ele não fora abandonado. Tivera sempre a companhia dos anjos celestiais, que lhe abriram as profecias concernentes a Cristo, e as preciosas promessas da Escritura. Estas foram seu sustentáculo, como haviam de ser do povo de Deus nos séculos por vir. A João Batista, como aos que vieram depois dele, foi dada a segurança: "Eis que Eu estou convosco todos os dias, até à consumação dos séculos." Mat. 28:20.
Deus nunca dirige Seus filhos de maneira diversa daquela por que eles próprios haveriam de preferir ser guiados, se pudessem ver o fim desde o princípio, e perscrutar a glória do desígnio que estão realizando como colaboradores Seus. Nem Enoque, que foi trasladado ao Céu, nem Elias, que ascendeu num carro de fogo, foi maior ou mais honrado do que João Batista, que pereceu sozinho na prisão. "A vós vos foi concedido, em relação a Cristo, não somente crer nEle, como também padecer por Ele." Filip. 1:29. E de todos os dons que o Céu pode conceder aos homens, a participação com Cristo em Seus sofrimentos é o mais importante depósito e a mais elevada honra.

22.1.09

CAPÍTULO 21

Betesda e o Sinédrio

"Ora em Jerusalém há, próximo à porta das ovelhas, um tanque, chamado em hebreu Betesda, o qual tem cinco alpendres. Nestes jazia grande multidão de enfermos; cegos, mancos, e paralíticos, esperando o movimento das águas." João 5:2 e 3. Em certo tempo as águas desse tanque eram agitadas, e acreditava-se comumente que isso era o resultado de poder sobrenatural, e que aquele que primeiro descesse a elas depois de haverem sido movidas, ficaria curado de qualquer enfermidade que tivesse. Centenas de sofredores afluíam ao local; tão grande, porém, era a multidão quando a água era agitada, que todos se precipitavam para diante, atropelando homens, mulheres e crianças mais fracos que eles. Muitos não se podiam aproximar do tanque. Muitos dos que conseguiam até ali chegar, morriam à beira dele. Haviam-se construído em torno do mesmo abrigos para proteção dos doentes contra o calor do dia e frio da noite. Alguns havia que passavam a noite nesses alpendres, arrastando-se para a beira do tanque dia a dia, numa vã esperança de cura.
Jesus Se achava de novo em Jerusalém. Sozinho, em aparente meditação ou oração, chegou ao tanque. Viu os míseros sofredores à espreita daquilo que julgavam sua única oportunidade de cura. Ansiou exercer Seu poder restaurador, e curar cada um daqueles enfermos. Mas era sábado. Multidões se dirigiam ao templo para o culto, e Ele sabia que esse ato de cura havia de despertar por tal modo o preconceito dos judeus que Lhe interromperiam a obra.
Mas o Salvador viu um caso de suprema miséria. Tratava-se de um homem que fora paralítico por trinta e oito anos. Sua enfermidade era, em grande parte, resultado de seu próprio pecado, sendo considerada um juízo de Deus. Sozinho e sem amigos, sentindo-se excluído da misericórdia de Deus, o enfermo passara longos anos de miséria. Ao tempo em que se esperava o movimento das águas, os que se compadeciam de seu desamparo o conduziam aos alpendres. No momento propício, porém, ninguém havia que o ajudasse a entrar na água. Vira o movimento das águas, mas nunca lhe fora possível chegar além da beira do tanque. Outros, mais fortes que ele, imergiam primeiro. Não podia competir com a turba egoísta e pronta a apoderar-se da vantagem. Seus persistentes esforços em direção desse único objetivo, bem como a ansiedade e as contínuas decepções nesse sentido, estavam-lhe consumindo rapidamente as restantes energias.
O enfermo jazia em sua esteira, quando, dirigindo casualmente a fronte para olhar ao tanque, eis que um terno e compassivo semblante se achava inclinado por sobre ele, e prenderam-lhe a atenção as palavras: "Queres ficar são?" João 5:6. A esperança brotou-lhe na alma. Sentiu que, de qualquer modo, ia ser ajudado. Em breve, porém, desvaneceu-se-lhe o brilho de animação. Lembrou-se de quantas vezes experimentara chegar ao tanque, e tinha agora pouca probabilidade de viver até que a água fosse novamente agitada. Voltou-se fatigado, dizendo: "Senhor, não tenho homem algum que, quando a água é agitada, me meta no tanque; mas, enquanto eu vou, desce outro antes de mim." João 5:7.
Jesus não pediu a esse sofredor que tivesse fé nEle. Diz simplesmente: "Levanta-te, toma a tua cama, e anda." João 5:8. A fé do homem, todavia, apodera-se daquelas palavras. Cada nervo e músculo vibra de nova vida, e a energia da saúde enche-lhe os membros paralisados. Sem duvidar, determina-se a obedecer à ordem de Cristo, e todos os músculos obedecem-lhe à vontade. Pondo-se repentinamente de pé, sente-se um homem no gozo de suas atividades.
Jesus não lhe dera nenhuma certeza de auxílio divino. O homem se podia haver detido a duvidar, perdendo a única oportunidade de cura. Creu, porém, na Palavra de Cristo, e agindo sobre ela, recebeu a força.
Por meio da mesma fé podemos receber cura espiritual. Fomos, pelo pecado, separados da vida de Deus. Temos a alma paralítica. Não somos, por nós mesmos, mais capazes de viver vida santa, do que o era aquele homem de andar. Muitos há que compreendem a própria impotência, e anseiam aquela vida espiritual que os porá em harmonia com Deus; estão vãmente lutando por obtê-la. Em desespero, clamam: "Miserável homem que eu sou! quem me livrará do corpo dessa morte!" Rom. 7:24. Que essas almas acabrunhadas, lutadoras, olhem para cima. O Salvador inclina-Se sobre a aquisição de Seu sangue, dizendo com inexprimível ternura e piedade: "Queres ficar são?" Pede-vos que vos levanteis com saúde e paz. Não espereis sentir que estais são. Crede-Lhe na Palavra, e será cumprida. Ponde a vontade do lado de Cristo. Desejai servi-Lo e, agindo sobre Sua Palavra, recebereis força. Seja qual for a má prática, a dominante paixão que, devido à longa condescendência, acorrenta alma e corpo, Cristo é capaz de libertar, e anseia fazê-lo. Comunica vida à alma morta em ofensas. Efés. 2:1. Porá em liberdade o cativo preso pela fraqueza, o infortúnio e as cadeias do pecado.
O restabelecido paralítico curvou-se para apanhar seu leito, que era apenas uma esteira e um cobertor e, ao endireitar-se novamente com uma sensação de deleite, olhou em volta à procura de seu Libertador; mas Jesus desaparecera entre a multidão. O homem temeu não O reconhecer, se O tornasse a encontrar. Ao ir apressado o seu caminho, com passo firme, desembaraçado, louvando a Deus e regozijando-se no vigor que acabava de obter, encontrou vários dos fariseus, e contou-lhes imediatamente sua cura. Surpreendeu-se da frieza com que lhe ouviam a história.
De sobrancelhas carregadas, interromperam-no, perguntando-lhe por que estava conduzindo seu leito no sábado. Lembraram-lhe severamente que não era lícito conduzir fardos no dia do Senhor. Em sua alegria, o homem esquecera-se de que era sábado; todavia não sentiu nenhuma condenação por obedecer ao mandado de uma Pessoa que tinha poder de Deus. Respondeu ousadamente: "Aquele que me curou, Ele próprio disse: Toma a tua cama, e anda." João 5:11. Perguntaram quem havia feito isso, mas o homem não lhes sabia dizer. Esses principais bem sabiam que unicamente Um Se mostrara capaz de realizar esse milagre; mas queriam prova direta de que era Jesus, a fim de O poderem condenar como violador do sábado. Em seu juízo, não somente havia quebrado a lei em curar o enfermo no sábado, mas cometera sacrilégio em lhe mandar que levasse a cama.
Por tal forma haviam os judeus pervertido a lei, que a tornavam um jugo de servidão. Suas exigências destituídas de significado eram um provérbio entre as outras nações. Especialmente havia o sábado sido cercado de toda espécie de restrições destituídas de senso. Não lhes era um deleite o santo dia do Senhor, digno de honra. Os escribas e fariseus lhe tinham tornado a observância intolerável fardo. Ao judeu não era permitido acender fogo, nem mesmo uma vela no sábado. Conseqüentemente, o povo dependia dos gentios quanto a muitos serviços que seus regulamentos proibiam que fizessem para si mesmos. Não refletiam que, se essas ações eram pecaminosas, os que empregavam outros para as praticar eram tão culpados como se as houvessem praticado eles próprios. Julgavam que a salvação se restringia aos judeus, e sendo a condição dos outros já desesperada, não se poderia tornar pior. Mas Deus não deu mandamentos que não possam ser obedecidos por todos. Suas leis não sancionam quaisquer restrições irrazoáveis ou egoístas.
Jesus encontrou no templo o homem que fora curado. Este viera trazer uma oferta pelo pecado, e também uma de ações de graças pela grande bênção recebida. Encontrando-o entre os adoradores, Jesus deu-Se a conhecer, com a advertência: "Eis que já estás são; não peques mais, para que não te aconteça alguma coisa pior." João 5:14.
O enfermo restaurado regozijou-se extremamente por encontrar seu Libertador. Ignorando a inimizade que existia contra Jesus, disse aos fariseus que o haviam interrogado, que era este O que o curara. "Por esta causa os judeus perseguiam a Jesus, e procuravam matá-Lo porque fazia estas coisas no sábado." João 5:16.
Jesus foi levado perante o Sinédrio para responder à acusação de violador do sábado. Houvessem os judeus sido a esse tempo uma nação independente, e tal acusação lhes teria servido ao desígnio de O condenar à morte. Sua sujeição aos romanos impediu isso. Os judeus não tinham poder para infligir pena de morte, e as acusações apresentadas contra Cristo não tinham peso num tribunal romano. Outros objetivos existiam, entretanto, que esperavam conseguir. Não obstante seus esforços para anular-Lhe a obra, Cristo estava adquirindo, mesmo em Jerusalém, influência superior à deles próprios. Multidões que se não interessavam nas arengas dos rabis, eram atraídas por Seus ensinos. Podiam-Lhe compreender as palavras, e seu coração era aquecido e confortado. Ele falava de Deus, não como de vingativo juiz, mas de um terno pai, e revelar Sua imagem como refletida num espelho. Suas palavras eram como bálsamo para o espírito magoado. Tanto pelas palavras como pelas obras de misericórdia, estava Ele derribando o opressivo poder das velhas tradições e mandamentos de homens, e apresentando o amor de Deus em sua inesgotável plenitude.
Numa das primeiras profecias concernentes a Cristo, está escrito: "O cetro não se arredará de Judá, nem o legislador dentre seus pés, até que venha Siló; e a Ele se congregarão os povos." Gên. 49:10. O povo se estava congregando a Cristo. Os corações simpatizantes da multidão aceitavam lições de amor e beneficência, ao invés das rígidas cerimônias exigidas pelos sacerdotes. Não se houvessem sacerdotes e rabis interposto, e Seus ensinos teriam operado uma reforma tal como nunca foi testemunhada pelo mundo. A fim de conservar o poder, no entanto, determinaram esses guias derribar a influência de Jesus. Sua citação perante o Sinédrio, e uma aberta condenação de Seus ensinos, contribuiriam para a efetuação desse desígnio; pois o povo nutria ainda grande reverência por seus guias religiosos. Quem quer que ousasse condenar as exigências dos rabinos, ou tentasse aliviar os fardos postos por eles sobre o povo, era considerado culpado, não somente de blasfêmia, mas de traição. Nisso baseavam os rabis sua esperança de despertar suspeitas contra Cristo. Representavam-nO como procurando subverter os costumes estabelecidos, causando assim divisão entre o povo, e preparando o caminho para a completa subjugação dos romanos.
Mas os planos cuja execução esses rabis estavam elaborando tão zelosamente, originaram-se em outro conselho, que não o do Sinédrio. Depois de haver fracassado em seu desígnio de vencer a Cristo no deserto, arregimentara Satanás suas forças para se Lhe opor ao ministério, obstando, se possível Sua obra. Aquilo que não conseguira realizar por esforço pessoal, direto, decidira efetuar por meio de estratégia. Tão depressa se retirara do conflito no deserto, em concílio com os anjos seus confederados amadureceu os planos para cegar ainda mais o espírito do povo judeu, a fim de não reconhecerem seu Redentor. Planejou operar por meio de seus agentes humanos do mundo religioso, imbuindo-os de sua própria inimizade contra o Campeão da verdade. Levá-los-ia a rejeitar a Cristo e a tornar-Lhe a vida o mais amarga possível, esperando desanimá-Lo em Sua missão. E os guias de Israel tornaram-se os instrumentos de Satanás em combater o Salvador.
Jesus viera para engrandecer a lei, e a tornar gloriosa. Isa. 42:21. Não haveria de lhe diminuir a dignidade, mas exaltá-la. Diz a Escritura: "Não desfalecerá, nem Se apressará, até que estabeleça na Terra o juízo." Isa. 42:4. Ele viera para libertar o sábado daquelas enfadonhas exigências que o haviam tornado uma maldição em vez de bênção.
Por isso escolhera o sábado para nele realizar a cura de Betesda. Poderia haver curado o enfermo igualmente em qualquer outro dia da semana; ou simplesmente tê-lo curado, sem lhe dizer que levasse a cama. Isto, porém, não Lhe teria proporcionado a oportunidade que desejava. Um sábio desígnio guiava todos os atos de Cristo na Terra. Tudo quanto fazia era em si mesmo importante, bem como na lição que comunicava. Escolheu, entre os sofredores que se achavam junto ao tanque, o pior caso, para aí exercer Seu poder de cura, e pediu ao homem que levasse a cama através da cidade, a fim de publicar a grande obra de que fora objeto. Isso daria lugar à questão do que era ou não era lícito fazer no sábado, e abriria o caminho para Ele condenar as restrições dos judeus quanto ao dia do Senhor, declarando vãs suas tradições.
Jesus lhes afirmou que a obra de aliviar os aflitos estava em harmonia com a lei do sábado. Estava em harmonia com os anjos de Deus que estão sempre descendo e subindo entre o Céu e a Terra para servir à humanidade sofredora. Jesus declarou: "Meu Pai trabalha até agora, e Eu trabalho também." João 5:17. Todos os dias são de Deus, para neles se levar a cabo Seus planos para com a raça humana. Fosse a interpretação dos judeus razoável, então o Senhor estaria em falta, visto ser Seu trabalho que vivifica e mantém toda criatura vivente desde que lançou os fundamentos da Terra; então Aquele que declarou boa a sua obra, e instituiu o sábado para comemorar-lhe o acabamento, deveria acabar com Seu labor e deter a incessante rotina do Universo.
Deveria Deus impedir o Sol de cumprir sua missão no sábado, obstar seus fecundos raios de aquecer a Terra e nutrir a vegetação? Deveriam os sistemas planetários quedar imóveis durante aquele santo dia? Ordenaria às fontes que se abstivessem de regar os campos e as florestas, mandaria às ondas do mar que detivessem seu incessante fluir e refluir? Deveriam o trigo e o milho deixar de crescer, e o maturante cacho adiar seu belo colorido? Não hão de as árvores florescer, nem desabrochar as flores no sábado?
Fora assim, e deixariam os homens de ter os frutos da terra, e as bênçãos que tornam desejável a vida. A Natureza deve continuar seu invariável curso. Deus não poderia por um momento deter Sua mão, do contrário o homem desfaleceria e viria a morrer. E o homem também tem nesse dia uma obra a realizar. Devem-se atender às necessidades da vida, cuidar dos doentes, suprir as faltas dos necessitados. Não será tido por inocente o que negligenciar aliviar o sofrimento no sábado. O Santo dia de repouso de Deus foi feito para o homem, e os atos de misericórdia se acham em perfeita harmonia com seu desígnio. Deus não deseja que Suas criaturas sofram uma hora de dor que possa ser aliviada no sábado, ou noutro dia qualquer.
As solicitações para com Deus são ainda maiores no sábado do que nos outros dias. Seu povo deixa então a ocupação ordinária, e passa mais tempo em meditação e culto. Pedem-Lhe mais favores no sábado, que noutros dias. Exigem-Lhe a atenção de modo especial. Anelam Suas mais preciosas bênçãos. Deus não espera que o sábado passe para lhes conceder esses pedidos. A obra no Céu não cessa nunca, e o homem não deve descansar de fazer o bem. O sábado não se destina a ser um período de inútil inatividade. A lei proíbe trabalho secular no dia de repouso do Senhor; o labor que constitui o ganha-pão, deve cessar; nenhum trabalho que vise prazer ou proveito mundanos, é lícito nesse dia; mas como Deus cessou Seu labor de criar e repousou ao sábado, e o abençoou, assim deve o homem deixar as ocupações da vida diária, e devotar essas sagradas horas a um saudável repouso, ao culto e a boas obras. O ato de Cristo em curar o enfermo estava de perfeito acordo com a lei. Era uma obra que honrava o sábado.
Jesus afirmou ter direitos iguais aos de Deus, ao fazer uma obra da mesma maneira sagrada, e do mesmo caráter daquela em que Se empenhava o Pai no Céu. Mas os fariseus ficaram ainda mais exasperados. Ele não somente quebrantara a lei, segundo seu modo de ver, mas dizendo que "Deus era Seu próprio Pai", declarara ser igual a Deus.
Toda a nação judaica chamava a Deus seu Pai, de maneira que se não deveriam ter assim enfurecido se Cristo Se colocara na mesma relação para com Ele. Mas acusaram-nO de blasfêmia, mostrando que compreendiam fazer Ele essa reivindicação no mais alto sentido.
Esses adversários de Cristo não tinham argumentos com que enfrentar as verdades que lhes fazia penetrar na consciência. Não podiam senão citar seus costumes e tradições, e estes pareciam fracos e nulos quando comparados com os argumentos que Jesus tirava da Palavra de Deus e da vida natural! Houvessem os rabis experimentado qualquer desejo de receber a luz, e se teriam convencido de que Cristo dizia a verdade. Evitavam, porém, os pontos que apresentavam com referência ao sábado, e procuraram incitar ódio contra Ele, por declarar ser igual a Deus. A fúria dos líderes não conhecia limites. Não houvessem temido o povo, e os sacerdotes e rabis teriam matado a Jesus ali mesmo. Mas o sentimento popular em Seu favor era forte. Muitos reconheciam em Cristo o amigo que lhes curara as moléstias e confortara as dores, e justificavam-nO em curar o doente de Betesda. De modo que os guias se viram obrigados, de momento, a restringir seu ódio.
Jesus repeliu a acusação de blasfêmia. Minha autoridade, disse, para fazer a obra de que Me acusais, é o ser Eu o Filho de Deus, um com Ele em natureza, em vontade e em desígnio. Em todas as Suas obras de criação e providência, Eu coopero com Deus. O "Filho por Si mesmo não pode fazer coisa alguma, se o não vir fazer ao Pai." Os sacerdotes e rabis estavam repreendendo o Filho de Deus pela própria obra para cuja realização fora enviado ao mundo. Por seus pecados, haviam-se separado de Deus e estavam, em seu orgulho, agindo independentemente dEle. Sentiam-se suficientes para tudo, e não percebiam a necessidade de mais alta sabedoria para lhes dirigir os atos. Mas o Filho de Deus era submisso à vontade de Seu Pai, e dependente de Seu poder. Tão plenamente vazio do próprio eu era Jesus, que não elaborava planos para Si mesmo. Aceitava os que Deus fazia a Seu respeito, e o Pai os desdobrava dia a dia. Assim devemos nós confiar em Deus, para que nossa vida seja uma simples operação de Sua vontade.
Quando Moisés estava para construir o santuário como lugar de habitação de Deus, recebeu instruções para fazer tudo segundo o modelo que lhe fora mostrado no monte. Moisés era todo zeloso para fazer a obra de Deus; os homens mais talentosos e hábeis lhe estavam ao lado para realizar suas sugestões. No entanto, não devia fazer uma campainha, uma romã, uma borla, uma franja, uma cortina ou qualquer vaso do santuário, que não fosse segundo o modelo mostrado. Deus o chamara ao monte e lhe revelara as coisas celestiais. O Senhor o cobrira com Sua glória, a fim de que pudesse ver o modelo, e segundo ele foram feitas todas as coisas. Assim a Israel, a quem desejava tornar Seu lugar de habitação, revelara Seu glorioso ideal de caráter. O modelo lhes fora mostrado no monte, quando a lei havia sido dada no Sinai, e o Senhor passara perante Moisés, proclamando: "Jeová, o Senhor, Deus misericordioso e piedoso, tardio em iras e grande em beneficência e verdade; que guarda a beneficência em milhares; que perdoa a iniqüidade, e a transgressão e o pecado." Êxo. 34:6 e 7.
Israel preferira seus próprios caminhos. Não haviam edificado segundo o modelo; mas Cristo, o verdadeiro templo para habitação de Deus, moldara cada detalhe de Sua vida terrestre em harmonia com o ideal divino. Disse Ele: "Deleito-Me em fazer a Tua vontade, ó Deus Meu; sim, a Tua lei está dentro do Meu coração." Sal. 40:8. Assim nosso caráter deve ser formado para "morada de Deus em Espírito". Efés. 2:22. E cumpre-nos fazer "tudo conforme o modelo", isto é, Aquele que "padeceu por nós, deixando-nos o exemplo, para que sigais as Suas pisadas". I Ped. 2:21.
As palavras de Cristo nos ensinam que nos devemos considerar inseparavelmente ligados a nosso Pai celestial. Seja qual for nossa posição, dependemos de Deus, que enfeixa em Suas mãos todos os destinos. Ele nos designou nossa obra, e nos dotou de faculdades e meios para ela. Enquanto submetermos a vontade à Sua, e confiarmos em Sua força e sabedoria, seremos guiados por caminhos seguros, para realizar a parte que nos cabe em Seu grande plano. Aquele, porém, que confia em sua própria sabedoria e poder, se está separando de Deus. Em vez de trabalhar em harmonia com Cristo, cumpre o desígnio do inimigo de Deus e dos homens.
O Salvador continuou: "Tudo quanto Ele faz, o Filho o faz igualmente. ... Assim como o Pai ressuscita os mortos, e os vivifica, assim também o Filho vivifica aqueles que quer." João 5:19 e 21. Os saduceus afirmavam que não havia ressurreição do corpo; mas Jesus lhes diz que uma das maiores obras de Seu Pai é ressuscitar os mortos, e que Ele próprio possui poder de fazer a mesma obra. "Vem a hora, e agora é, em que os mortos ouvirão a voz do Filho de Deus, e os que a ouvirem viverão." João 5:25. Os fariseus acreditavam na ressurreição dos mortos. Cristo declara que mesmo agora o poder que dá vida aos mortos se encontra entre eles, e eles hão de testemunhar-lhe a manifestação. É esse mesmo poder de ressuscitar que dá vida à alma morta "em ofensas e pecados". Efés. 2:1. Esse espírito de vida em Cristo Jesus, a "virtude da Sua ressurreição" (Filip. 3:10), liberta os homens "da lei do pecado e da morte". Rom. 8:2. O domínio do mal é despedaçado e, pela fé, a alma é guardada do pecado. Aquele que abre o coração ao Espírito de Cristo, torna-se participante daquele grande poder que lhe fará o corpo ressurgir do sepulcro.
O humilde Nazareno afirma Sua real nobreza. Ergue-se acima da humanidade, atira de Si o disfarce do pecado e da injúria, e revela-Se – o Honrado dos anjos, o Filho de Deus, Um com o Criador do Universo. Seus ouvintes ficam fascinados. Homem algum já falou palavras como as Suas, nem se portou com tão régia majestade. Seus discursos são claros e positivos, declarando plenamente Sua missão, e o dever do mundo: "O Pai a ninguém julga, mas deu ao Filho todo o juízo; para que todos honrem o Filho, como honram o Pai. Quem não honra o Filho, não honra o Pai que O enviou. ... Porque, como o Pai tem a vida em Si mesmo, assim deu também ao Filho ter a vida em Si mesmo. E deu-Lhe o poder de exercer o juízo, porque é o Filho do homem." João 5:22-27.
Os sacerdotes e principais haviam-se arvorado em juízes, para condenar a obra de Cristo, mas Ele Se declarou juiz deles próprios, e de toda a Terra. O mundo foi confiado a Cristo, e por Seu intermédio tem vindo toda bênção de Deus à raça caída. Era o Redentor, tanto antes como depois da encarnação. Assim que existiu o pecado; houve um Salvador. Ele tem dado luz e vida a todos, e em harmonia com a medida da luz concedida, será cada um julgado. E aquele que tem comunicado a luz, que tem acompanhado a alma com as mais ternas súplicas, buscando atraí-la do pecado para a santidade, é ao mesmo tempo seu Advogado e Juiz. Desde o início do grande conflito no Céu, Satanás tem mantido sua causa por meio de engano; e Cristo tem trabalhado no sentido de lhe revelar as tramas, e derribar-lhe o poder. É Aquele que Se tem oposto ao enganador e, no decorrer de todos os séculos, Se tem empenhado por arrebatar os cativos de seu poder, que julgará cada pessoa.
E Deus "deu-Lhe poder de exercer o juízo, porque é o Filho do homem". Como Ele tenha provado as próprias fezes do cálice da aflição e tentação humanas, e compreenda as fragilidades e pecados dos homens; como tenha, em nosso favor, resistido vitoriosamente às tentações de Satanás, e lidará justa e ternamente com as almas para cuja salvação derramou o próprio sangue – o Filho do homem é indicado para exercer o juízo.
A missão de Cristo, porém, não era julgar, mas salvar. "Deus enviou o Seu Filho ao mundo, não para que condenasse o mundo, mas para que o mundo fosse salvo por Ele." João 3:17. E perante o Sinédrio Jesus declarou: "Quem ouve a Minha Palavra, e crê nAquele que Me enviou, tem a vida eterna, e não entrará em condenação, mas passou da morte para a vida." João 5:24.
Pedindo a Seus ouvintes que não se maravilhassem, Cristo desenrolou diante deles, em visão ainda mais ampla, o mistério do futuro: "Vem a hora", disse, "em que todos os que estão nos sepulcros ouvirão a Sua voz. E os que fizeram o bem sairão para a ressurreição da vida; e os que fizeram o mal para a ressurreição da condenação." João 5:28 e 29.
Essa certeza da vida futura era a que Israel há tanto aguardara, e esperava receber por ocasião do advento do Messias. Sobre eles estava a resplandecer a única luz que pode iluminar as sombras da sepultura. A obstinação, porém, é cega. Jesus violara as tradições dos judeus, e desprezara-lhes a autoridade, e eles não queriam crer.
O tempo, o local, a ocasião, a intensidade dos sentimentos que animavam a assembléia, tudo se combinou para tornar mais impressivas as palavras de Jesus perante o Sinédrio. As mais altas autoridades religiosas da nação estavam procurando tirar a vida Àquele que Se declarava o restaurador de Israel. O Senhor do sábado era citado perante um tribunal terrestre, para responder à acusação de quebrantar a lei sabática. Ao declarar Ele tão intrepidamente Sua missão, Seus juízes contemplaram-nO espantados e enfurecidos; Suas palavras, todavia, eram irrespondíveis. Não O podiam condenar. Recusava aos sacerdotes e rabis o direito de interrogar acerca de Sua obra, ou nela interferir. Não estavam revestidos dessa autoridade. Suas pretensões baseavam-se no próprio orgulho e arrogância. Ele Se recusava a reconhecer-Se culpado de suas acusações, ou ser catequizado por ele.
Em lugar de Se desculpar do ato de que se queixavam, ou explicar o próprio desígnio em assim fazer, Jesus Se voltou contra os líderes, e o acusado tornou-Se acusador. Repreendeu-os pela sua dureza de coração e ignorância das Escrituras. Declarou que tinham rejeitado a Palavra de Deus, da mesma maneira que o haviam feito Àquele a quem Deus enviara. "Examinais as Escrituras, porque vós cuidais ter nelas a vida eterna, e são elas que de Mim testificam." João 5:39.
Em toda página, seja história, preceito ou profecia, irradia nas Escrituras do Antigo Testamento a glória do Filho de Deus. Em tudo quanto encerrava de instituição divina, todo o judaísmo era uma encadeada profecia do evangelho. De Cristo "dão testemunho todos os profetas". Atos 10:43. Desde a promessa feita a Adão, descendo pela linha patriarcal e a dispensação legal, a gloriosa luz celeste tornou claras as pegadas do Redentor. Os viventes contemplaram a Estrela de Belém, o Siló por vir, ao passarem diante deles, em misteriosa procissão, os acontecimentos futuros. Em cada sacrifício, mostrava-se a morte de Cristo. Em cada nuvem de incenso, ascendia Sua justiça. Seu nome ressoava com cada trombeta de jubileu. No tremendo mistério do santo dos santos habitava Sua glória.
Os judeus estavam de posse das Escrituras, e supunham que, no mero conhecimento que delas possuíam, tinham a vida eterna. Jesus, porém, disse: "A Sua Palavra não permanece em vós." João 5:38. Havendo rejeitado a Cristo em Sua Palavra, rejeitaram-nO em pessoa. "Não quereis vir a Mim", disse Ele, "para terdes vida." João 5:40.
Os guias judaicos tinham estudado os ensinos dos profetas a respeito do reino do Messias; haviam-no feito, porém, não com o sincero desejo de conhecer a verdade, mas com o desígnio de encontrar provas para apoiar suas ambiciosas esperanças. Vindo Cristo de maneira contrária a sua expectativa, não O quiseram receber; e para se justificarem a si mesmos, procuravam demonstrar que era enganador. Uma vez postos os pés nesse caminho, fácil era a Satanás fortalecer-lhes a oposição a Cristo. As próprias palavras que deveriam ter sido recebidas como testemunho de Sua divindade, foram contra Ele interpretadas. Assim tornaram a verdade de Deus em mentira, e quanto mais diretamente lhes falava o Salvador em Suas obras de misericórdia, tanto mais decididos ficavam para resistir à luz.
Jesus disse: "Eu não recebo glória dos homens." João 5:41. Não era a influência do Sinédrio, não era sua sanção que Ele desejava. Não podia receber honra alguma da aprovação deles. Achava-Se revestido de honra e autoridade do Céu. Houvesse-a Ele desejado, e anjos Lhe teriam vindo render homenagem; o Pai teria outra vez testificado de Sua divindade. Mas, por amor deles próprios, por amor da nação que representavam, desejava que os guias judaicos Lhe distinguissem o caráter, e recebessem as bênçãos que lhes viera trazer.
"Eu vim em nome de Meu Pai, e não Me aceitais; se outro vier em seu próprio nome, a esse aceitareis." João 5:43. Jesus veio pela autoridade de Deus, apresentando-Lhe a imagem, cumprindo Sua Palavra e buscando-Lhe a glória; todavia, não foi aceito pelos guias de Israel; mas quando outros viessem, assumindo o caráter de Cristo, embora movidos por sua própria vontade e buscando a própria glória, estes seriam recebidos. E por quê? – Porque o que busca a própria glória, fala ao desejo de exaltação própria nos outros. A tais estímulos, corresponderiam os judeus. Receberiam o falso mestre, porque lhes lisonjearia o orgulho pela sanção de suas acariciadas opiniões e tradições. Os ensinos de Cristo, porém, não tinham afinidades com suas idéias. Eram espirituais e exigiam o sacrifício do eu; não O receberiam, portanto. Não estavam relacionados com Deus, e Sua voz, por intermédio de Cristo, era para eles a de um estranho.
Não se repete o mesmo em nossos dias? Não há muitos, mesmo guias religiosos, que estão endurecendo o coração contra o Espírito Santo, tornando impossível a si mesmos o reconhecer a voz de Deus? Não estão rejeitando a Palavra de Deus, a fim de conservar as próprias tradições?
"Se vós crêsseis em Moisés", disse Jesus, "creríeis em Mim; porque de Mim escreveu ele. Mas, se não credes nos seus escritos, como crereis nas Minhas palavras?" João 5:46. Fora Cristo que falara a Israel por meio de Moisés. Houvessem eles ouvido a voz divina que falara por intermédio de seu grande guia, e a teriam reconhecido nos ensinos de Cristo. Houvessem crido em Moisés, e teriam acreditado nAquele de quem ele escrevera.
Jesus sabia que os sacerdotes e rabis estavam decididos a tirar-Lhe a vida; todavia, expôs-lhes claramente Sua unidade com o Pai, e Sua relação para com o Mundo. Viram que a oposição que Lhe moviam não tinha desculpa; todavia, seu ódio assassino não se extinguiu. Deles se apoderou o temor ao testemunhar o convincente poder que Lhe acompanhava o ministério, mas resistiram a Seus apelos, encerrando-se em trevas.
Fracassaram assinaladamente em derribar a autoridade de Jesus ou dEle alienar o respeito e a atenção do povo, do qual muitos ficaram convencidos por Suas palavras. Os próprios líderes se haviam sentido sob profunda condenação ao apresentar-lhes à consciência sua culpa; todavia, isso apenas os instigou mais amargamente contra Ele. Estavam decididos a tirar-Lhe a vida. Enviaram por todo o país mensageiros a advertir o povo contra Jesus, como impostor. Mandaram-se espias para O observar e relatar o que dizia ou fazia. O precioso Salvador achava-Se agora, sem dúvida nenhuma, sob a sombra da cruz.

21.1.09

CAPÍTULO 20

"Se não Virdes Sinais e Milagres"

Os galileus que voltaram da páscoa levaram a notícia das maravilhosas obras de Jesus. A maneira por que os dignitários em Jerusalém Lhe haviam julgado a ação, abria-Lhe caminho para a Galiléia. Muitos dentre o povo lamentavam os abusos no templo, e a ambição e arrogância dos sacerdotes. Esperavam que esse homem, que fizera fugir os principais, houvesse de ser o esperado Libertador. E agora chegavam notícias que pareciam confirmar suas esperanças. Contava-se que o profeta Se havia declarado o Messias.
O povo de Nazaré, no entanto, não cria nEle. Por isso Jesus não visitou Nazaré em Sua passagem para Caná. O Salvador declarara aos discípulos que um profeta não tem honra na sua própria terra. Os homens estimam o caráter segundo aquilo que eles próprios são capazes de apreciar. Os de espírito estreito e mundano julgavam a Cristo por Seu humilde nascimento, Seu traje modesto e o meio de vida em que labutara. Não eram capazes de apreciar a pureza daquele espírito isento de qualquer mancha de pecado.
As novas da volta de Jesus a Caná divulgaram-se em breve por toda a Galiléia, levando esperança aos aflitos e sofredores. Em Cafarnaum, as notícias atraíram a atenção de um nobre judeu, oficial ao serviço do rei. Um filho desse nobre estava sofrendo de moléstia aparentemente incurável. Os médicos o haviam desenganado; ao ouvir o pai falar de Jesus, porém, decidiu rogar-Lhe auxílio. A criança estava muito mal e, temia-se não viveria até seu regresso; mas o nobre achou que devia ir pessoalmente apresentar sua petição. Esperava que a súplica de um pai havia de despertar a compaixão do grande Médico.
Chegando a Caná, encontrou grande multidão rodeando a Jesus. Coração ansioso, procurou abrir caminho até à presença do Salvador. Ao ver apenas um homem simplesmente vestido, poento e exausto da viagem, vacilou-lhe a fé. Duvidou que esse Homem pudesse realizar o que viera pedir-Lhe; obteve, no entanto, uma entrevista com Jesus, expôs-Lhe o objetivo de sua presença, e rogou ao Salvador que O acompanhasse a casa. Mas Jesus já conhecia essa dor. Antes que o nobre houvesse partido de casa, vira-lhe o Salvador a aflição.
Sabia, também, que o pai estabelecera, em seu espírito, condições quanto a crer em Jesus. A menos que sua petição fosse atendida, não O havia de aceitar como o Messias. Enquanto o oficial esperava, nessa agonia de quem se acha suspenso, Jesus disse: "Se não virdes sinais e milagres, não crereis." João 4:48.
Não obstante todas as provas de que Jesus era o Cristo, o suplicante decidira fazer do deferimento de seu pedido uma condição para nEle crer. O Salvador comparava essa incredulidade com a fé singela dos samaritanos, que não haviam solicitado qualquer milagre, sinal nenhum. Sua palavra, o sempre presente testemunho de Sua divindade, tinha convincente poder, que lhes tocara o coração. Jesus doía-Se de que Seu próprio povo, a quem haviam sido confiados os sagrados oráculos, deixasse de ouvir a voz de Deus a falar-lhes por intermédio de Seu Filho.
No entanto, o nobre possuía certo grau de fé; pois viera pedir aquilo que se lhe afigurava a mais preciosa de todas as bênçãos. Jesus tinha um dom ainda maior para conceder. Desejava, não somente curar a criança, mas tornar o nobre e sua casa participantes das bênçãos da salvação, e acender uma luz em Cafarnaum, que se devia tornar em breve o cenário de Seus próprios labores. O nobre devia compreender primeiro, no entanto, sua própria necessidade, para que pudesse desejar a graça de Cristo. Esse nobre representava muitos de sua própria nação. Interessavam-se em Jesus por motivos egoístas. Esperavam receber por meio de Seu poder qualquer benefício particular e faziam depender sua fé da obtenção desse favor temporal; ignoravam, porém, sua enfermidade espiritual, e não viam a necessidade que tinham da graça divina.
Como um jato de luz, as palavras do Salvador ao nobre lhe desnudaram o próprio coração. Viu que seus motivos em buscar a Jesus eram egoístas. Sua vacilante fé apareceu-lhe em seu verdadeiro caráter. Em profunda aflição, compreendeu que sua incredulidade poderia custar a vida do filho. Conheceu que estava em presença dAquele que lia os pensamentos, e a quem tudo era possível. Em angustiosa súplica, clamou: "Senhor, desce antes que meu filho morra!" João 4:49. Sua fé apoderou-se de Cristo, como a de Jacó, quando, lutando com o anjo, exclamara: "Não Te deixarei ir, se me não abençoares." Gên. 32:26.
Como Jacó, prevaleceu. O Salvador não pode recusar o pedido de uma alma que a Ele se apega, alegando sua grande necessidade. "Vai", disse: "o teu filho vive." João 4:50. O nobre deixou a presença do Salvador com uma paz e alegria que nunca dantes experimentara. Não somente crera que seu filho seria restabelecido, mas com firme confiança esperou em Cristo como o Redentor.
Na mesma hora os que velavam a criança moribunda, no lar de Cafarnaum, notaram uma súbita e misteriosa mudança. Erguera-se do semblante do doentinho a sombra da morte. O rubor da febre cedera lugar ao suave brilho da saúde que voltava. Os mortiços olhos iluminaram-se de inteligência, e as forças voltaram ao débil e emagrecido organismozinho. Nenhum vestígio da moléstia permaneceu na criança. A carne ardente de febre tornara-se tenra e fresca, imergindo o pequeno em sono tranqüilo. A febre o deixara mesmo durante o calor do dia. A família pasmou, e grande foi o regozijo.
Caná não distava muito de Cafarnaum, de modo que o oficial poderia haver chegado a casa na tarde do dia em que estivera com Jesus; mas não se apressou na jornada de regresso. Só na manhã seguinte chegou a Cafarnaum. Que chegada, aquela! Ao partir em busca de Jesus, tinha o coração opresso de dor. O brilho do Sol afigurava-se-lhe cruel, uma ironia o cântico dos pássaros. Agora, quão diversos os sentimentos de sua alma! Dir-se-ia que toda a Natureza se revestira de novo aspecto. Novos são os olhos com que contempla o que o rodeia. Enquanto, no sossego das horas matinais, prosseguia em sua jornada, afigurava-se-lhe que toda a Natureza o acompanhava num louvor a Deus. Estando ainda a alguma distância de casa, servos lhe saíram ao encontro, ansiosos de lhe sossegar a alma que acreditavam suspensa. Nenhuma surpresa mostra, entretanto, em face das novas que lhe trazem, mas, com profundeza de interesse que não podem compreender indaga a que horas a criança melhorara. Respondem: "Ontem à sétima hora a febre o deixou." Na mesma hora em que a fé se apegara à afirmação: "Teu filho vive", o divino amor tocara a moribunda criança.
O pai corre pressuroso a saudar o filho. João 4:52 e 51. Aperta-o de encontro ao coração, como a alguém arrebatado à morte, e dá repentinamente graças a Deus por essa maravilhosa restauração.
O nobre desejava conhecer mais de Cristo. Ao ouvir-Lhe posteriormente os ensinos, ele e todos os de sua casa se tornaram Seus discípulos. Sua dor foi santificada, para conversão de toda a família. Divulgaram-se as novas do milagre; e em Cafarnaum, onde tantas de Suas poderosas obras foram realizadas, foi preparado o caminho para o ministério pessoal de Cristo.
Aquele que abençoou o nobre de Cafarnaum está igualmente desejoso de nos abençoar a nós. Como o aflito pai, no entanto, somos muitas vezes levados a buscar a Jesus pelo desejo de algum bem terrestre; e da obtenção de nossas petições fazemos depender nossa confiança em Seu amor. O Salvador anela dar-nos maiores bênçãos do que Lhe pedimos; e retarda o deferimento de nossos pedidos, a fim de mostrar-nos o mal que existe em nosso coração, e nossa profunda necessidade de Sua graça. Deseja que renunciemos ao egoísmo que nos leva a buscá-Lo. Confessando nosso desamparo e necessidade, cumpre-nos confiar-nos inteiramente a Seu amor.
O nobre queria ver atendida a sua oração antes de crer; teve, porém, de aceitar a palavra de Jesus, de que seu pedido era satisfeito, e a bênção concedida. Cumpre-nos também a nós aprender esta lição. Não porque vejamos ou sintamos que Deus nos ouve, devemos nós crer. Temos de Lhe confiar nas promessas. Quando a Ele nos chegamos com fé, toda súplica penetra o coração de Deus. Tendo pedido Suas bênçãos, devemos crer que as recebemos, e dar-Lhe graças porque as temos recebido. Então, vamos ao cumprimento de nossos deveres, certos de que a bênção terá lugar quando mais dela necessitarmos. Quando houvermos aprendido a assim fazer, saberemos que nossas orações são atendidas. Deus fará por nós "muito mais abundantemente além daquilo que pedimos ou pensamos", "segundo as riquezas da Sua glória" (Efés. 3:20 e 16) e "segundo a operação da força do Seu poder". Efés. 1:19.