Não É Este o Filho do Carpinteiro?
Por sobre os luminosos dias do ministério de Cristo na Galiléia, paira uma sombra. O povo de Nazaré O rejeitou. "Não é Este o filho de José?" (Luc. 4:22) diziam.
Durante a infância e a juventude, Jesus adorara entre Seus irmãos, na sinagoga de Nazaré. Desde o início de Seu ministério, estivera ausente deles, mas não ignoravam o que Lhe acontecia. Ao aparecer novamente em seu meio, o interesse e expectação deles subiu ao mais alto grau. Ali estavam as figuras e fisionomias familiares, que conhecera na infância. Ali estava Sua mãe, Seus irmãos, e todos os olhos se voltaram para Ele quando entrou na sinagoga, no sábado, tomando lugar entre os adoradores.
No culto regular diário, o ancião lia dos profetas, e exortava o povo a esperar ainda por Aquele que havia de vir, o qual introduziria um glorioso reino e baniria toda a opressão. Ele buscava animar os ouvintes pela repetição dos testemunhos de que o advento do Messias estava próximo. Descrevia a glória de Sua vinda, salientando sempre o pensamento de que apareceria à testa de exércitos para libertar Israel.
Quando um rabi se achava presente na sinagoga, esperava-se que dirigisse o sermão, e qualquer israelita podia fazer a leitura dos profetas. Nesse sábado, Jesus foi convidado a tomar parte no serviço. "Levantou-Se para ler, e foi-lhe dado o livro do profeta Isaías." Luc. 4:16 e 17. O texto lido por Ele era interpretado como se referindo ao Messias:
"O Espírito do Senhor é sobre Mim, pois que Me ungiu para evangelizar os pobres, enviou-Me a curar os quebrantados de coração, a apregoar liberdade aos cativos, a dar vista aos cegos; a pôr em liberdade os oprimidos; a anunciar o ano aceitável do Senhor."
"E, cerrando o livro, e tornando-o a dar ao ministro, assentou-Se; e os olhos de todos na sinagoga estavam fitos nEle. ... E todos Lhe davam testemunho, e se maravilhavam das palavras de graça que saíam da Sua boca." Luc. 4:18-20 e 22.
Jesus Se postou diante do povo como vivo expositor das profecias concernentes a Si próprio. Explicando as palavras que lera, falou do Messias, como de um libertador dos oprimidos e dos cativos, médico dos aflitos, restaurador de vista aos cegos e revelador da luz da verdade ao mundo. Sua maneira impressiva e a maravilhosa significação de Suas palavras arrebataram os ouvintes com um poder nunca dantes por eles experimentado. A corrente de influência divina derribou todas as barreiras; viram, qual Moisés, o Invisível. Sendo seu coração movido pelo Espírito Santo, respondiam com fervorosos améns e louvores ao Senhor.
Mas quando Jesus anunciou: "Hoje se cumpriu esta Escritura em vossos ouvidos" (Luc. 4:21), foram de repente levados a pensar em si mesmos, e nas declarações dAquele que lhes dirigia a Palavra. Eles, israelitas, filhos de Abraão, haviam sido representados como em servidão. Tinha-Se-lhes dirigido como presos a serem libertados do poder do mal; como em trevas e necessitados da luz da verdade. Seu orgulho ficou ofendido, despertaram-se-lhes os temores. As palavras de Jesus indicavam que Sua obra por eles havia de ser de todo diversa do que desejavam. Seus atos deviam ser intimamente examinados. Não obstante sua exatidão nas cerimônias exteriores, recuaram da inspeção daqueles puros, penetrantes olhos.
Quem é esse Jesus? indagaram. Aquele que reclamara para Si a glória do Messias, era o filho de um carpinteiro e trabalhara no ofício com José, Seu pai. Tinham-nO visto labutando acima e abaixo das colinas, conheciam-Lhe os irmãos e as irmãs, bem como Sua vida e labores. Haviam-Lhe acompanhado o desenvolvimento da infância à mocidade, e desta à varonilidade. Conquanto Sua vida houvesse sido sem mancha, não queriam crer que fosse o Prometido.
Que contraste entre Seu ensino a respeito do novo reino e o que tinham ouvido dos anciãos! Jesus nada dissera quanto a libertá-los dos romanos. Tinham ouvido falar de Seus milagres, e esperaram que Seu poder fosse exercido para proveito deles; não tinham visto, porém, nenhum indício nesse sentido.
Ao abrirem a porta à dúvida, o coração endureceu-se-lhes tanto mais quanto se havia por momentos abrandado. Satanás decidira que os olhos cegos não se abririam naquele dia, nem almas cativas seriam postas em liberdade. Com intensa energia, operou para os confirmar na incredulidade. Não fizeram caso do sinal já dado, quando haviam sido comovidos pela convicção de que era seu Redentor que Se lhes estava dirigindo.
Jesus lhes ofereceu então um testemunho de Sua divindade, revelando-lhes os íntimos pensamentos. "Sem dúvida Me direis este provérbio: Médico, cura-Te a Ti mesmo; faze também aqui na Tua pátria tudo que ouvimos ter sido feito em Cafarnaum. E disse: Em verdade vos digo que nenhum profeta é bem recebido na sua pátria. Em verdade vos digo que muitas viúvas existiam em Israel nos dias de Elias, quando o céu se cerrou por três anos e seis meses, de sorte que em toda a terra houve grande fome; e a nenhuma delas foi enviado Elias, senão a Sarepta de Sidom, a uma mulher viúva. E muitos leprosos havia em Israel no tempo do profeta Eliseu, e nenhum deles foi purificado, senão Naamã, o siro." Luc. 4:23-27.
Por essa referência à vida dos profetas, Jesus foi ao encontro das dúvidas de Seus ouvintes. Aos servos a quem Deus escolhera, não tinha sido permitido trabalhar por um povo de coração duro e incrédulo. Mas os que tinham coração para sentir e fé para crer, foram especialmente favorecidos com testemunhos de Seu poder, por meio dos profetas. Nos tempos de Elias, Israel se desviara de Deus. Apegavam-se a seus pecados, e rejeitaram as advertências do Espírito por meio dos mensageiros do Senhor. Assim se separaram dos condutos, por onde lhes podiam vir as bênçãos divinas. O Senhor passou por alto os lares de Israel, procurando refúgio para Seu servo numa terra pagã, junto a uma mulher que não pertencia ao povo escolhido. Essa mulher, porém, foi favorecida por haver seguido a luz que tinha, e o coração abriu-se-lhe à maior luz que Deus lhe enviou por intermédio de Seu profeta.
Foi pela mesma razão que, nos dias de Eliseu, os leprosos de Israel foram passados por alto. Mas Naamã, um nobre pagão, fora fiel a suas convicções do que era direito, e sentira sua grande necessidade de auxílio. Achava-se em condições de receber os dons da graça de Deus. Não somente foi curado da lepra, mas abençoado com o conhecimento do verdadeiro Deus.
Nossa posição diante de Deus depende, não da quantidade de luz que temos recebido, mas do uso que fazemos da que possuímos. Assim, mesmo o pagão que prefere o direito, na proporção em que lhe é possível distingui-lo, acha-se em condições mais favoráveis do que os que têm grande luz e professam servir a Deus, mas desatendem a essa luz, e por sua vida diária contradizem sua profissão de fé.
As palavras de Jesus a Seus ouvintes na sinagoga foram um golpe na raiz de sua justiça própria, impressionando-os com a atroz verdade de que se haviam separado de Deus, e perdido o direito de ser Seu povo. Cada palavra cortava como faca, ao ser-lhes apresentada sua verdadeira condição. Zombavam agora da fé que, a princípio, Jesus lhes inspirara. Não admitiriam que Aquele que surgira da pobreza e da humildade fosse mais que um homem comum.
Sua incredulidade gerou a malignidade. Satanás os dominou e, irados, clamaram contra o Salvador. Haviam-se desviado dAquele cuja missão era curar e restaurar; manifestaram então os atributos do destruidor.
Quando Jesus Se referiu às bênçãos dadas aos gentios, o feroz orgulho nacional de Seus ouvintes despertou, e Suas palavras foram sufocadas num tumulto de vozes. Este povo se orgulhava de observar a lei; mas agora que seus preconceitos foram ofendidos, estavam dispostos a cometer homicídio. A assembléia levantou-se e, lançando mãos de Jesus, expulsaram-nO da sinagoga e da cidade. Todos pareciam ansiosos de O destruir. Impeliram-nO para o alto de um precipício, intentando atirá-Lo dali. Gritos e maldições enchiam o espaço. Alguns Lhe atiravam pedras quando, de súbito, desapareceu do meio deles. Os mensageiros celestes que haviam estado a Seu lado na sinagoga, permaneciam com Ele no meio daquela turba enfurecida. Rodearam-nO, isolando-O dos inimigos, e levaram-nO a um lugar seguro.
Assim protegeram os anjos a Ló, conduzindo-o a salvo para fora de Sodoma. Assim defenderam a Eliseu na pequena cidade da montanha. Quando os montes que o circundavam estavam cheios de cavalos e carros do rei da Síria, e do seu grande exército, Eliseu viu as encostas mais próximas cobertas dos exércitos de Deus – cavalos e carros de fogo em torno do servo do Senhor.
Assim, em todas as épocas os anjos têm estado perto dos fiéis seguidores de Cristo. A grande confederação do mal acha-se aparelhada contra todos os que querem vencer; mas Cristo quer que olhemos às coisas invisíveis, aos exércitos celestes acampados em torno de todos quantos amam a Deus, para os livrar. De que perigos, visíveis e invisíveis, temos sido protegidos mediante a intervenção de anjos, jamais saberemos até que, à luz da eternidade, as providências de Deus nos sejam reveladas. Saberemos então que toda a família celestial estava interessada na família aqui de baixo, e que mensageiros do trono de Deus dia a dia nos assistiram os passos.
Quando Jesus, na sinagoga, leu a profecia, deteve-Se antes da final especificação relativa à obra do Messias. Havendo lido as palavras: "A apregoar o ano aceitável do Senhor", omitiu a frase: "e o dia da vingança do nosso Deus." Isa. 61:2. Isto era tão exato como o princípio da profecia e, por Seu silêncio, Jesus não negou a verdade. Mas essa última expressão era aquela em que Seus ouvintes gostavam de pensar, e desejavam ver cumprida. Clamavam juízos contra os pagãos, não discernindo que sua própria culpa era ainda maior que a deles. Achavam-se eles próprios em profunda necessidade daquela misericórdia que recusavam aos gentios. Aquele dia na sinagoga, em que Jesus Se ergueu entre eles, era sua oportunidade de aceitar o chamado do Céu. Aquele que "tem prazer na benignidade" (Miq. 7:18) de bom grado os teria salvo da ruína que seus pecados estavam a convidar.
Não sem mais um chamado ao arrependimento podia Ele abandoná-los. Para o fim de Seu ministério na Galiléia, tornou a visitar a terra de Sua meninice. Depois de haver sido aí rejeitado, a fama de Suas pregações e milagres encheram a Terra. Ninguém podia agora negar que possuía poder sobre-humano. O povo de Nazaré sabia que Ele andava fazendo o bem, e curando a todos os oprimidos de Satanás. Havia em torno deles aldeias inteiras em que não se ouvia um gemido de enfermo em casa alguma, pois Ele passara entre eles e lhes curara todas as enfermidades. A benignidade, revelada em todo ato de Sua vida, dava testemunho de Sua divina unção.
Ao ouvirem-Lhe novamente a Palavra, os nazarenos foram movidos pelo divino Espírito. Mas mesmo então, não queriam admitir que esse Homem, que fora criado entre eles, fosse diverso, ou maior que eles próprios. Ainda eram inflamados pela amarga recordação de que, ao mesmo tempo que afirmava ser Ele próprio o Prometido, lhes havia na verdade recusado um lugar em Israel; pois lhes mostrara serem menos dignos do favor de Deus do que um homem e uma mulher pagãos. Daí, embora indagassem: "De onde veio a Este a sabedoria, e estas maravilhas?" não O queriam receber como o Cristo de Deus. Devido à incredulidade deles, o Salvador não pôde operar muitos milagres. Apenas uns poucos corações se abriram a Sua bênção, e, relutantemente, partiu, para nunca mais voltar.
A incredulidade uma vez acariciada continuou a dominar os homens de Nazaré. Assim imperou ela no Sinédrio e na nação. Para os sacerdotes e o povo, a primeira rejeição da demonstração do poder do Espírito Santo foi o começo do fim. Para mostrar que sua primeira resistência era justa, continuaram sempre, posteriormente, a contestar as palavras de Cristo. Sua rejeição do Espírito atingiu o auge na cruz do Calvário, na destruição de sua cidade, na dispersão do povo aos quatro ventos.
Oh! como Cristo anelava abrir a Israel os preciosos tesouros da verdade! Mas tal era sua cegueira espiritual que se tornava impossível revelar-lhes as verdades concernentes ao Seu reino. Apegavam-se a seu credo e a suas cerimônias inúteis, quando a verdade do Céu aguardava ser por eles aceita. Gastavam o dinheiro em palha e cascas, quando tinham ao seu alcance o pão da vida. Por que não iam à Palavra de Deus e indagavam diligentemente, a ver se estavam em erro? As Escrituras do Antigo Testamento declaravam positivamente cada detalhe do ministério de Cristo, e repetidamente Ele citava os profetas e declarava: "Hoje se cumpriu esta Escritura em vossos ouvidos." Houvessem eles procurado sinceramente as Escrituras, provando suas teorias pela Palavra de Deus, e Jesus não teria precisado chorar por sua impenitência. Não teria necessitado declarar: "Eis que a vossa casa se vos deixará deserta." Luc. 13:35. Deveriam estar familiarizados com as provas de Sua messianidade, e a calamidade que lançou em ruínas sua orgulhosa cidade poderia ter sido desviada. Mas o espírito dos judeus se estreitara por seu irrazoável fanatismo. As lições de Cristo revelavam-lhes as deficiências de caráter, e requeriam arrependimento. Se eles Lhe aceitassem os ensinos, teriam de mudar de hábitos, e suas acariciadas esperanças deviam ser abandonadas. Para serem honrados pelo Céu, deviam sacrificar a honra dos homens. Se obedecessem às palavras desse novo Rabi, tinham de ir de encontro às opiniões dos pensadores e mestres da época.
A verdade era impopular nos dias de Cristo. É impopular em nossos dias. Tem-no sido sempre, desde que Satanás despertou no homem, no princípio, o desagrado por ela, mediante a apresentação de fábulas que induziram à exaltação própria. Não encontramos hoje teorias e doutrinas que não têm fundamento na Palavra de Deus? Os homens a elas se apegam tão tenazmente, como os judeus às suas tradições.
Os guias judaicos estavam cheios de orgulho espiritual. Seu desejo de glorificação própria manifestava-se mesmo no serviço do santuário. Amavam os melhores assentos na sinagoga. Amavam as saudações nas praças, e satisfaziam-se com a publicação de seus títulos por lábios de homens. À medida que declinava a verdadeira piedade, tornavam-se mais zelosos de suas tradições e cerimônias.
Em vista de terem o entendimento obscurecido pelo preconceito egoísta, não podiam harmonizar o poder das convincentes palavras de Cristo com a humildade de Sua vida. Não apreciavam o fato de que a verdadeira grandeza dispensa a ostentação. A pobreza desse Homem parecia inteiramente em desacordo com Sua afirmação de ser o Messias. Cogitavam: Se Ele é o que pretende, por que é tão modesto? Se estava satisfeito de não ter a força das armas, que seria da nação deles? Como poderiam o poder e a glória tão longamente antecipados, trazer as nações em submissão à cidade dos judeus? Não haviam os sacerdotes ensinado que Israel devia exercer domínio sobre a Terra? E seria possível que os grandes mestres religiosos laborassem em erro?
Mas não foi apenas a ausência de glória exterior na vida de Jesus que levou os judeus a rejeitá-Lo. Ele era a personificação da pureza, e eles eram impuros. Ele vivia entre os homens como exemplo de imaculada integridade. Sua vida irrepreensível projetava luz sobre o coração deles. Sua sinceridade lhes revelava a insinceridade. Ela manifestava o vazio de sua pretensa piedade, e mostrava-lhes a iniqüidade em seu odioso caráter. Essa luz era mal recebida.
Se Cristo houvesse chamado a atenção para os fariseus, e lhes exaltasse o saber e a piedade, tê-Lo-iam saudado com alegria. Mas quando lhes falou do reino do Céu como uma dispensação de misericórdia a toda a humanidade, estava a apresentar um aspecto da religião que eles não suportavam. Seu próprio exemplo e ensino nunca haviam sido de molde a tornar desejável o serviço de Deus. Ao verem Jesus dando atenção àqueles mesmos que odiavam e repeliam, isso lhes incitava as piores paixões no coração orgulhoso. Não obstante sua vanglória de que, sob o "Leão da tribo de Judá" (Apoc. 5:5) Israel seria exaltado à preeminência sobre todas as nações, teriam podido sofrer a decepção de suas ambiciosas esperanças, de preferência a suportar a reprovação de Cristo a seus pecados, e a repreensão que sentiam mesmo pela presença de Sua pureza.
Por sobre os luminosos dias do ministério de Cristo na Galiléia, paira uma sombra. O povo de Nazaré O rejeitou. "Não é Este o filho de José?" (Luc. 4:22) diziam.
Durante a infância e a juventude, Jesus adorara entre Seus irmãos, na sinagoga de Nazaré. Desde o início de Seu ministério, estivera ausente deles, mas não ignoravam o que Lhe acontecia. Ao aparecer novamente em seu meio, o interesse e expectação deles subiu ao mais alto grau. Ali estavam as figuras e fisionomias familiares, que conhecera na infância. Ali estava Sua mãe, Seus irmãos, e todos os olhos se voltaram para Ele quando entrou na sinagoga, no sábado, tomando lugar entre os adoradores.
No culto regular diário, o ancião lia dos profetas, e exortava o povo a esperar ainda por Aquele que havia de vir, o qual introduziria um glorioso reino e baniria toda a opressão. Ele buscava animar os ouvintes pela repetição dos testemunhos de que o advento do Messias estava próximo. Descrevia a glória de Sua vinda, salientando sempre o pensamento de que apareceria à testa de exércitos para libertar Israel.
Quando um rabi se achava presente na sinagoga, esperava-se que dirigisse o sermão, e qualquer israelita podia fazer a leitura dos profetas. Nesse sábado, Jesus foi convidado a tomar parte no serviço. "Levantou-Se para ler, e foi-lhe dado o livro do profeta Isaías." Luc. 4:16 e 17. O texto lido por Ele era interpretado como se referindo ao Messias:
"O Espírito do Senhor é sobre Mim, pois que Me ungiu para evangelizar os pobres, enviou-Me a curar os quebrantados de coração, a apregoar liberdade aos cativos, a dar vista aos cegos; a pôr em liberdade os oprimidos; a anunciar o ano aceitável do Senhor."
"E, cerrando o livro, e tornando-o a dar ao ministro, assentou-Se; e os olhos de todos na sinagoga estavam fitos nEle. ... E todos Lhe davam testemunho, e se maravilhavam das palavras de graça que saíam da Sua boca." Luc. 4:18-20 e 22.
Jesus Se postou diante do povo como vivo expositor das profecias concernentes a Si próprio. Explicando as palavras que lera, falou do Messias, como de um libertador dos oprimidos e dos cativos, médico dos aflitos, restaurador de vista aos cegos e revelador da luz da verdade ao mundo. Sua maneira impressiva e a maravilhosa significação de Suas palavras arrebataram os ouvintes com um poder nunca dantes por eles experimentado. A corrente de influência divina derribou todas as barreiras; viram, qual Moisés, o Invisível. Sendo seu coração movido pelo Espírito Santo, respondiam com fervorosos améns e louvores ao Senhor.
Mas quando Jesus anunciou: "Hoje se cumpriu esta Escritura em vossos ouvidos" (Luc. 4:21), foram de repente levados a pensar em si mesmos, e nas declarações dAquele que lhes dirigia a Palavra. Eles, israelitas, filhos de Abraão, haviam sido representados como em servidão. Tinha-Se-lhes dirigido como presos a serem libertados do poder do mal; como em trevas e necessitados da luz da verdade. Seu orgulho ficou ofendido, despertaram-se-lhes os temores. As palavras de Jesus indicavam que Sua obra por eles havia de ser de todo diversa do que desejavam. Seus atos deviam ser intimamente examinados. Não obstante sua exatidão nas cerimônias exteriores, recuaram da inspeção daqueles puros, penetrantes olhos.
Quem é esse Jesus? indagaram. Aquele que reclamara para Si a glória do Messias, era o filho de um carpinteiro e trabalhara no ofício com José, Seu pai. Tinham-nO visto labutando acima e abaixo das colinas, conheciam-Lhe os irmãos e as irmãs, bem como Sua vida e labores. Haviam-Lhe acompanhado o desenvolvimento da infância à mocidade, e desta à varonilidade. Conquanto Sua vida houvesse sido sem mancha, não queriam crer que fosse o Prometido.
Que contraste entre Seu ensino a respeito do novo reino e o que tinham ouvido dos anciãos! Jesus nada dissera quanto a libertá-los dos romanos. Tinham ouvido falar de Seus milagres, e esperaram que Seu poder fosse exercido para proveito deles; não tinham visto, porém, nenhum indício nesse sentido.
Ao abrirem a porta à dúvida, o coração endureceu-se-lhes tanto mais quanto se havia por momentos abrandado. Satanás decidira que os olhos cegos não se abririam naquele dia, nem almas cativas seriam postas em liberdade. Com intensa energia, operou para os confirmar na incredulidade. Não fizeram caso do sinal já dado, quando haviam sido comovidos pela convicção de que era seu Redentor que Se lhes estava dirigindo.
Jesus lhes ofereceu então um testemunho de Sua divindade, revelando-lhes os íntimos pensamentos. "Sem dúvida Me direis este provérbio: Médico, cura-Te a Ti mesmo; faze também aqui na Tua pátria tudo que ouvimos ter sido feito em Cafarnaum. E disse: Em verdade vos digo que nenhum profeta é bem recebido na sua pátria. Em verdade vos digo que muitas viúvas existiam em Israel nos dias de Elias, quando o céu se cerrou por três anos e seis meses, de sorte que em toda a terra houve grande fome; e a nenhuma delas foi enviado Elias, senão a Sarepta de Sidom, a uma mulher viúva. E muitos leprosos havia em Israel no tempo do profeta Eliseu, e nenhum deles foi purificado, senão Naamã, o siro." Luc. 4:23-27.
Por essa referência à vida dos profetas, Jesus foi ao encontro das dúvidas de Seus ouvintes. Aos servos a quem Deus escolhera, não tinha sido permitido trabalhar por um povo de coração duro e incrédulo. Mas os que tinham coração para sentir e fé para crer, foram especialmente favorecidos com testemunhos de Seu poder, por meio dos profetas. Nos tempos de Elias, Israel se desviara de Deus. Apegavam-se a seus pecados, e rejeitaram as advertências do Espírito por meio dos mensageiros do Senhor. Assim se separaram dos condutos, por onde lhes podiam vir as bênçãos divinas. O Senhor passou por alto os lares de Israel, procurando refúgio para Seu servo numa terra pagã, junto a uma mulher que não pertencia ao povo escolhido. Essa mulher, porém, foi favorecida por haver seguido a luz que tinha, e o coração abriu-se-lhe à maior luz que Deus lhe enviou por intermédio de Seu profeta.
Foi pela mesma razão que, nos dias de Eliseu, os leprosos de Israel foram passados por alto. Mas Naamã, um nobre pagão, fora fiel a suas convicções do que era direito, e sentira sua grande necessidade de auxílio. Achava-se em condições de receber os dons da graça de Deus. Não somente foi curado da lepra, mas abençoado com o conhecimento do verdadeiro Deus.
Nossa posição diante de Deus depende, não da quantidade de luz que temos recebido, mas do uso que fazemos da que possuímos. Assim, mesmo o pagão que prefere o direito, na proporção em que lhe é possível distingui-lo, acha-se em condições mais favoráveis do que os que têm grande luz e professam servir a Deus, mas desatendem a essa luz, e por sua vida diária contradizem sua profissão de fé.
As palavras de Jesus a Seus ouvintes na sinagoga foram um golpe na raiz de sua justiça própria, impressionando-os com a atroz verdade de que se haviam separado de Deus, e perdido o direito de ser Seu povo. Cada palavra cortava como faca, ao ser-lhes apresentada sua verdadeira condição. Zombavam agora da fé que, a princípio, Jesus lhes inspirara. Não admitiriam que Aquele que surgira da pobreza e da humildade fosse mais que um homem comum.
Sua incredulidade gerou a malignidade. Satanás os dominou e, irados, clamaram contra o Salvador. Haviam-se desviado dAquele cuja missão era curar e restaurar; manifestaram então os atributos do destruidor.
Quando Jesus Se referiu às bênçãos dadas aos gentios, o feroz orgulho nacional de Seus ouvintes despertou, e Suas palavras foram sufocadas num tumulto de vozes. Este povo se orgulhava de observar a lei; mas agora que seus preconceitos foram ofendidos, estavam dispostos a cometer homicídio. A assembléia levantou-se e, lançando mãos de Jesus, expulsaram-nO da sinagoga e da cidade. Todos pareciam ansiosos de O destruir. Impeliram-nO para o alto de um precipício, intentando atirá-Lo dali. Gritos e maldições enchiam o espaço. Alguns Lhe atiravam pedras quando, de súbito, desapareceu do meio deles. Os mensageiros celestes que haviam estado a Seu lado na sinagoga, permaneciam com Ele no meio daquela turba enfurecida. Rodearam-nO, isolando-O dos inimigos, e levaram-nO a um lugar seguro.
Assim protegeram os anjos a Ló, conduzindo-o a salvo para fora de Sodoma. Assim defenderam a Eliseu na pequena cidade da montanha. Quando os montes que o circundavam estavam cheios de cavalos e carros do rei da Síria, e do seu grande exército, Eliseu viu as encostas mais próximas cobertas dos exércitos de Deus – cavalos e carros de fogo em torno do servo do Senhor.
Assim, em todas as épocas os anjos têm estado perto dos fiéis seguidores de Cristo. A grande confederação do mal acha-se aparelhada contra todos os que querem vencer; mas Cristo quer que olhemos às coisas invisíveis, aos exércitos celestes acampados em torno de todos quantos amam a Deus, para os livrar. De que perigos, visíveis e invisíveis, temos sido protegidos mediante a intervenção de anjos, jamais saberemos até que, à luz da eternidade, as providências de Deus nos sejam reveladas. Saberemos então que toda a família celestial estava interessada na família aqui de baixo, e que mensageiros do trono de Deus dia a dia nos assistiram os passos.
Quando Jesus, na sinagoga, leu a profecia, deteve-Se antes da final especificação relativa à obra do Messias. Havendo lido as palavras: "A apregoar o ano aceitável do Senhor", omitiu a frase: "e o dia da vingança do nosso Deus." Isa. 61:2. Isto era tão exato como o princípio da profecia e, por Seu silêncio, Jesus não negou a verdade. Mas essa última expressão era aquela em que Seus ouvintes gostavam de pensar, e desejavam ver cumprida. Clamavam juízos contra os pagãos, não discernindo que sua própria culpa era ainda maior que a deles. Achavam-se eles próprios em profunda necessidade daquela misericórdia que recusavam aos gentios. Aquele dia na sinagoga, em que Jesus Se ergueu entre eles, era sua oportunidade de aceitar o chamado do Céu. Aquele que "tem prazer na benignidade" (Miq. 7:18) de bom grado os teria salvo da ruína que seus pecados estavam a convidar.
Não sem mais um chamado ao arrependimento podia Ele abandoná-los. Para o fim de Seu ministério na Galiléia, tornou a visitar a terra de Sua meninice. Depois de haver sido aí rejeitado, a fama de Suas pregações e milagres encheram a Terra. Ninguém podia agora negar que possuía poder sobre-humano. O povo de Nazaré sabia que Ele andava fazendo o bem, e curando a todos os oprimidos de Satanás. Havia em torno deles aldeias inteiras em que não se ouvia um gemido de enfermo em casa alguma, pois Ele passara entre eles e lhes curara todas as enfermidades. A benignidade, revelada em todo ato de Sua vida, dava testemunho de Sua divina unção.
Ao ouvirem-Lhe novamente a Palavra, os nazarenos foram movidos pelo divino Espírito. Mas mesmo então, não queriam admitir que esse Homem, que fora criado entre eles, fosse diverso, ou maior que eles próprios. Ainda eram inflamados pela amarga recordação de que, ao mesmo tempo que afirmava ser Ele próprio o Prometido, lhes havia na verdade recusado um lugar em Israel; pois lhes mostrara serem menos dignos do favor de Deus do que um homem e uma mulher pagãos. Daí, embora indagassem: "De onde veio a Este a sabedoria, e estas maravilhas?" não O queriam receber como o Cristo de Deus. Devido à incredulidade deles, o Salvador não pôde operar muitos milagres. Apenas uns poucos corações se abriram a Sua bênção, e, relutantemente, partiu, para nunca mais voltar.
A incredulidade uma vez acariciada continuou a dominar os homens de Nazaré. Assim imperou ela no Sinédrio e na nação. Para os sacerdotes e o povo, a primeira rejeição da demonstração do poder do Espírito Santo foi o começo do fim. Para mostrar que sua primeira resistência era justa, continuaram sempre, posteriormente, a contestar as palavras de Cristo. Sua rejeição do Espírito atingiu o auge na cruz do Calvário, na destruição de sua cidade, na dispersão do povo aos quatro ventos.
Oh! como Cristo anelava abrir a Israel os preciosos tesouros da verdade! Mas tal era sua cegueira espiritual que se tornava impossível revelar-lhes as verdades concernentes ao Seu reino. Apegavam-se a seu credo e a suas cerimônias inúteis, quando a verdade do Céu aguardava ser por eles aceita. Gastavam o dinheiro em palha e cascas, quando tinham ao seu alcance o pão da vida. Por que não iam à Palavra de Deus e indagavam diligentemente, a ver se estavam em erro? As Escrituras do Antigo Testamento declaravam positivamente cada detalhe do ministério de Cristo, e repetidamente Ele citava os profetas e declarava: "Hoje se cumpriu esta Escritura em vossos ouvidos." Houvessem eles procurado sinceramente as Escrituras, provando suas teorias pela Palavra de Deus, e Jesus não teria precisado chorar por sua impenitência. Não teria necessitado declarar: "Eis que a vossa casa se vos deixará deserta." Luc. 13:35. Deveriam estar familiarizados com as provas de Sua messianidade, e a calamidade que lançou em ruínas sua orgulhosa cidade poderia ter sido desviada. Mas o espírito dos judeus se estreitara por seu irrazoável fanatismo. As lições de Cristo revelavam-lhes as deficiências de caráter, e requeriam arrependimento. Se eles Lhe aceitassem os ensinos, teriam de mudar de hábitos, e suas acariciadas esperanças deviam ser abandonadas. Para serem honrados pelo Céu, deviam sacrificar a honra dos homens. Se obedecessem às palavras desse novo Rabi, tinham de ir de encontro às opiniões dos pensadores e mestres da época.
A verdade era impopular nos dias de Cristo. É impopular em nossos dias. Tem-no sido sempre, desde que Satanás despertou no homem, no princípio, o desagrado por ela, mediante a apresentação de fábulas que induziram à exaltação própria. Não encontramos hoje teorias e doutrinas que não têm fundamento na Palavra de Deus? Os homens a elas se apegam tão tenazmente, como os judeus às suas tradições.
Os guias judaicos estavam cheios de orgulho espiritual. Seu desejo de glorificação própria manifestava-se mesmo no serviço do santuário. Amavam os melhores assentos na sinagoga. Amavam as saudações nas praças, e satisfaziam-se com a publicação de seus títulos por lábios de homens. À medida que declinava a verdadeira piedade, tornavam-se mais zelosos de suas tradições e cerimônias.
Em vista de terem o entendimento obscurecido pelo preconceito egoísta, não podiam harmonizar o poder das convincentes palavras de Cristo com a humildade de Sua vida. Não apreciavam o fato de que a verdadeira grandeza dispensa a ostentação. A pobreza desse Homem parecia inteiramente em desacordo com Sua afirmação de ser o Messias. Cogitavam: Se Ele é o que pretende, por que é tão modesto? Se estava satisfeito de não ter a força das armas, que seria da nação deles? Como poderiam o poder e a glória tão longamente antecipados, trazer as nações em submissão à cidade dos judeus? Não haviam os sacerdotes ensinado que Israel devia exercer domínio sobre a Terra? E seria possível que os grandes mestres religiosos laborassem em erro?
Mas não foi apenas a ausência de glória exterior na vida de Jesus que levou os judeus a rejeitá-Lo. Ele era a personificação da pureza, e eles eram impuros. Ele vivia entre os homens como exemplo de imaculada integridade. Sua vida irrepreensível projetava luz sobre o coração deles. Sua sinceridade lhes revelava a insinceridade. Ela manifestava o vazio de sua pretensa piedade, e mostrava-lhes a iniqüidade em seu odioso caráter. Essa luz era mal recebida.
Se Cristo houvesse chamado a atenção para os fariseus, e lhes exaltasse o saber e a piedade, tê-Lo-iam saudado com alegria. Mas quando lhes falou do reino do Céu como uma dispensação de misericórdia a toda a humanidade, estava a apresentar um aspecto da religião que eles não suportavam. Seu próprio exemplo e ensino nunca haviam sido de molde a tornar desejável o serviço de Deus. Ao verem Jesus dando atenção àqueles mesmos que odiavam e repeliam, isso lhes incitava as piores paixões no coração orgulhoso. Não obstante sua vanglória de que, sob o "Leão da tribo de Judá" (Apoc. 5:5) Israel seria exaltado à preeminência sobre todas as nações, teriam podido sofrer a decepção de suas ambiciosas esperanças, de preferência a suportar a reprovação de Cristo a seus pecados, e a repreensão que sentiam mesmo pela presença de Sua pureza.